As nossas reações perante uma obra de arte variam. Desilusão, quando finalmente nos encontramos face a uma obra-prima e não sentimos nada (aconteceu-me com a Mona Lisa, de Da Vinci, por exemplo). Encantamento, se estamos perante uma obra que sempre admirámos e não desilude. Como num sonho tornado real, sentimo-nos flutuar. A Arte, seja ela qual for, pode provocar reações inesperadas. Quando estive a escassos centímetros da máscara dourada de Tutankamon, senti uma espécie de transe. Não sei se pela beleza, se pela opulência, se pelo que aquele momento representava. Por causa de uma série de Picassos, entusiasmei-me, fui-me deixando levar, e perdi-me do meu marido durante alguns minutos que me pareceram horas.
Comoção. A Arte pode provocar comoção. É comovida que fico sempre que vejo o quadro Os Emigrantes, do meu convidado. Comovida como quando leio "O Mar Português", de Pessoa, ou o episódio das "Despedidas em Belém", d'Os Lusíadas. Quer sejam as palavras escritas ou os rostos impressos na tela, as emoções são semelhantes: uma tristeza profunda por todos aqueles que se veem obrigados a deixar a sua terra, de coração destroçado e destroçando corações.
Os emigrantes
Óleo sobre tela (235 X 295 cm)
E foi sobre este quadro que falámos durante quase todo o jantar. Domingos Rebelo confessou-me que nunca pensou que, em 2013, o seu quadro estivesse tão atual. Tirando os trajes de uma época que não é a nossa e uma religiosidade que já não é vivida com a mesma intensidade, os sentimentos serão os mesmos. Os mesmos anseios, as mesmas incógnitas, as mesmas esperanças. A mesma tristeza.
Mais do que sobre emigração, este quadro é sobre açorianidade. Estão lá os nossos símbolos mais importantes: a nossa "viola de dois corações", com todo o lirismo a ela associado, o cestinho das laranjas, o quadro do Senhor Santo Cristo dos Milagres. O Mar. Um quadro que conta uma história. Ou muitas histórias. Desde que foi pintado, em 1926, os destinos foram mudando. Brasil, Estados Unidos, Canadá, Bermudas, Angola, Mocambique. Mas os sentimentos terão sido semelhantes. Serão semelhantes.
Enquanto saboreava um prato generoso de Boeuf Bourguignon, o meu convidado falou-me dos anos em Paris, do convívio com os grandes Amadeo de Sousa Cardoso e Santa Rita Pintor. E de como quanto mais longe da ilha estava, mais açoriano se sentia. E como eu o percebi.
Boeuf Bourguignon da escola Le Cordon Bleu
(receita copiada integralmente do blogue Elvira's Bistrot)
Ingredientes para 4-5 pessoas
Marinada
- 2 cenouras, cortadas em pedaços de 1 cm
- 1 cebola grande, cortada em pedaços de 1 cm
- 2 dentes de alho, esmagados
- 1 ramo de cheiros*
- 3 colheres (sopa) de conhaque - ou de aguardente velha, brandy...
- 10 grãos inteiros de pimenta preta
- 1 l de vinho tinto de Borgonha - ou outro vinho tinto encorpado de boa qualidade
- 2 colheres (sopa) de
óleoazeite
- 1 kg de carne de novilho para estufar ou assar**, cortada em cubos médios
- 1 colher (sopa) bem cheia de concentrado de tomate
- 2 colheres (sopa) de farinha de trigo
- 400 ml de caldo de carne forte e encorpado
- 3-4 cebolas, cortadas em rodelas finas
- 1 colher (sopa) de manteiga
- 1/2 colher (sopa) de açúcar
- 150 g de cogumelos frescos - tipo champignons de Paris, limpos e cortados em quartos
- 2 colheres (sopa) de alho picado finamente
- 240 g de toucinho fumado - bacon, cortado em palitos finos ou em cubos pequenos
- salsa fresca picada q.b.
- sal
- azeite & manteiga q.b.
* 1 folha de louro + 1 pedaço de pau
de aipo + 1 pé de alecrim + 1 pé de tomilho + 3 pés de salsa. Tudo bem
atado com fio de cozinha.
** chambão, chã de fora...
Preparação
Preparar a marinada. Colocar os cubos de carne numa tigela grande e
funda. Juntar os pedaços de cenoura, a cebola, os alhos esmagados, o
ramo de cheiros, o conhaque, os grãos de pimenta, o vinho tinto e o
azeite.
Misturar muito bem e cobrir com filme transparente. Reservar no frigorífico de um dia para o outro.
Coar o líquido da marinada para dentro de um tacho; juntar o caldo de
carne ao tacho. Separar os vegetais, a carne e o ramo de cheiros. Secar a
carne com papel absorvente e reservar.
Ferver o líquido da marinada durante 6-8 minutos. Eliminar a espuma que
se vai formando com o auxílio de uma espumadeira. Retirar do lume e
reservar.
Aquecer um pouco de azeite e de manteiga numa panela de ferro fundido
ou de barro. Juntar 1/3 da carne e saltear até ficar bem selada e
dourada. Retirar a carne da panela e reservar. Recomeçar a operação com a
carne restante, em duas vezes. Reservar a carne.
Refogar as rodelas de cebola na panela durante 5-6 minutos - ou até
ficarem macias. Adicionar os vegetais da marinada e refogar mais um
pouco, até ficarem ligeiramente dourados. Polvilhar com o açúcar e
envolver.
Juntar os pedaços de carne, assim como o concentrado de tomate. Envolver
e polvilhar com a farinha. Mexer durante aproximadamente 2 minutos.
Regar com a marinada e adicionar o ramo de cheiros. Levar a ferver e
baixar o lume. Cobrir com uma tampa. Deixar cozinhar em lume brando
durante 2-3 horas, ou até a carne ficar muito tenra, mexendo de vez em
quando.
Entretanto, aquecer a colherada de manteiga numa frigideira. Saltear os
cogumelos com uma pitada de sal e o alho picado até ficarem com uma cor
acastanhada. Retirar do lume e reservar.
Grelhar os palitos de toucinho noutra frigideira, em seco, até ficarem levemente dourados. Reservar.
Juntar os cogumelos e o toucinho a panela pouco antes do final da
cozedura. Rectificar os temperos. Retirar a panela do lume e deixar
repousar de um dia para outro.
Voltar a aquecer em lume brando - ou no forno. Descartar o ramo de
cheiros. Polvilhar com salsa picada antes de servir - bem quente,
acompanhando com puré de batata caseiro e pão torrado.
Depois de algumas edições afastada do passatempo "Convidei para Jantar...", criado pela Ana, volto a participar nesta edição, cuja anfitriã é a Guida, que nos pede para convidarmos um pintor.
Um convidado bem escolhido com algumas particularidades em comum com a nossa gente. Esse quadro retrata bem a tristeza de quem tem de abandonar a sua terra em busca da sobrevivência... é triste.
ResponderEliminarAndo indecisa ainda! Espero me decidir antes de terminar o prazo ;)
Beijinhos
Tem um aspeto bem delicioso.
ResponderEliminarBjs
Olá Ilidia!
ResponderEliminarJulgo que se tivesse sido eu a escrever o post não lhe mudava nem uma vírgula!
De facto, com a conjectura económica actual a questão da emigração está a assumir proporções imensas.
Parece que estamos a voltar atrás no tempo, por vários motivos.
Entristece que tantos tenham lutado para agora regredirmos.
E a receita para mim tem uma história!
O mundo da comida (porque é um mundo, não apenas um meio de saciar a fome num determinado momento)pode levar-nos por caminhos improvavéis!
Fui ao cinema ver o filme "Julie e Julia"(gostei muito, do livro nem tanto. Costuma ser ao contrário) e a curiosidade acerca do boeuf bourguignon assaltou-me!
De tal modo que tive que arranjar a receita (não a da Julia Child)e provar o vinho.
As "cobaias" foram o meu marido e uns amigos num jantar de fim - de - ano!
Tudo por causa de um filme.
Bjs Ilidia e votos de um bom resto de semana.
Sandra Martins
O quadro é muito interessante e o post fez-me conhecer um pintor que passará a estar no meu "radar" de ineresse.
ResponderEliminarParabéns!
Belo post, e um excelente convidado. Gostei imenso!
ResponderEliminarbeijinhos
http://sudelicia.blogspot.pt/
Querida Ilídia
ResponderEliminarComo sempre as tuas escolhas não são aleatórias! Tão cheias de sentido! A pintura e a receita de mundos tão diferentes mas que se cruzam. E depois a coincidência do tema com o que temos "conversado"... Nada é por acaso!
Um abraço,
Guida
Ilídia querida,
ResponderEliminara arte é mesmo isso, deixarmo-nos comover e sentir algo em relação a ela.
Gostei muito do teu post, das tuas palavras. Do quadro que conta uma história.
E adorei o teu boeuf bourguignon, que nunca me atrevi a preparar mas tenho curiosidade desde que vi o filme da Julia Child/Meryl Streep.
Um beijinho.
Acho que ainda estou em transe com esta receita. Absolutamente tentadora.
ResponderEliminarAinda não consegui decidir-me em relação a esta edição...
Beijinho.
What a beautiful post....the writing...the painting...the food ! Beautiful like you my dear friend ! Hugs~Diana
ResponderEliminarOlá Ilidia,
ResponderEliminarUm quadro com um tema muito atual e uma receita fantástica. Excelente participação.
Bjnhos e um final de semana maravilhoso.
http://saborescomtempo.blogspot.pt/
Ora que belo convidado, eu tb já estou a preparar o meu! adorei o post um beijo
ResponderEliminarMas que bom aspecto que isto tem...
ResponderEliminarVou experimentar!
Olá Ilidia,
ResponderEliminarquem diria que tantos anos decorridos esse quadro estaria tão atual!
Adorei a tua escolha quer do pintor e obra quer a receita, que está nos meus projetos e ainda não fiz.
Bjs