Não há Natal como o da infância. Por mais gasta que a frase esteja, penso nela todos os Natais, ao olhar para o meu filho. Mesmo quando se gosta muito, há névoas que desbotam as cores vibrantes da época. Aquele Natal pleno de quando somos crianças não volta mais. Aquele Natal de euforia ao decorar a árvore e ao acender as luzes pela primeira vez. Aquele Natal de estar tudo bem, sem que falte nada e, principalmente, ninguém.
Ontem, fizemos o presépio. Não fazia um presépio há mais de vinte anos. Pelo menos, não um presépio a sério, com uma gruta de pedra e farelo e leivas*. Mal acordámos e tomámos um pequeno-almoço de panquecas, agasalhámo-nos e fomos os três à nossa horta semiabandonada, recolher os materiais necessários para recriar a nossa Belém. Enquanto o fazia, as memórias inevitáveis da minha avó, que vivia o Natal como ninguém.
Quase todas as memórias dos Natais da minha infância estão ligadas à minha avó. Ela que, semanas antes, começava a pensar no presépio daquele ano. Juntas, subíamos ao sotão, à procura das caixas que continham as figuras da Natividade, as ovelhas, os pastores e demais personagens que enriqueciam as vivências aldeãs que (re)criávamos. Em conjunto, construíamos casinhas de cartão, pintávamos telhados, cortávamos portas e janelas e cosíamos cortinas. Casas típicas dos Açores, que encaixávamos nas areias de Belém. Era uma rotina de depois das minhas aulas. Chegado o grande dia, ela aparecia, sorridente, com o seu cachecol de crochet, cor de tijolo, e o seu cabelo, já prateado. E, qual arquitetas paisagistas, fazíamos nascer montes e cerrados** e abríamos estradas, umas de areia, outras de farelo, tudo dividido, ao estilo açoriano, por muros de pedrinhas de basalto. O nosso presépio era sempre construído sob a árvore de Natal, que havia sido enfeitada antes, por mim e pelo meu irmão, com a ajuda dos meus pais.
O nosso presépio de 2014 é menor e tem menos pormenores do que os que fazia, nos anos 80, com a minha avó. É um presépio mais apressado, com menos horas de trabalho, sinal dos dias azafamados que vivemos. Mas é um presépio. O nosso presépio, construído por nós, com o nosso filho. O presépio que o Manel, vigilante, protege das patas curiosas de gatos que achariam graça a destruir a estrada que leva os Reis Magos ao Menino. Acho que a minha avó o aprovaria. A minha avó, que morreu faz hoje 14 anos.
* Designação dada por cá ao musgo.
** Pastagens típicas açorianas, divididas por muros de pedra.
Olá Ilidia, li com atenção o teu texto, e como sempre sabes como fazê-lo chegar ao coração de quem o lê. Tens um lindo presépio é uma honrosa homenagem à tua avó que de certo iria aprovar. Hoje fiz o meu, mas não fui às leivas, porque o faço em cima dum móvel, para não correr o risco de chegar ao natal com os reis magos decapitados pelo meu Simba 😄. Mesmo já cansado da idade não perderia a oportunidade de passar lá perto 😉.
ResponderEliminarUmas festas felizes para toda a tua família e que o Manel fique sempre atento às investidas dos felinos aí de casa, porque o instinto deles dá para ir lá fazer uma visita ☺️. Um grande beijo.
Olá, Susaninha :)
EliminarFoi a primeira vez que fiz um presépio cá em casa :) Acho que com a idade me estou a tornar mais tradicional. Deve ser natural que assim seja :)
Os meus gatos também têm olhado para o presépio com muita (demasiada) curiosidade. Mesmo o Gaspar e a Micas, que achei que já não se fossem interessar por ele. Assim, presépio e gatos têm de estar sempre debaixo de olho ;)
Um beijo para ti e para os teus rapazes.
Ilídia
Um abraço enorme para ti, do tamanho do mundo ! Ficou lindo ! beijoooooo
ResponderEliminarObrigada, Diana :) Outro abraço :)
EliminarTens toda a razão quando dizes que não há Natal como o da infância. E entristece-me saber que o Natal tem perdido parte do seu verdadeiro significado tendo passado a ser o Natal do pai natal e das prendas. Sei que isso também faz parte mas tem-se esquecido que só há Natal graças ao Menino Jesus. Tenho tentado manter viva a tradição e o verdadeiro sentido. Faço questão que os meus filhos percebam que o Natal é muito mais do que uma árvore, prendas e demais. Nem sempre faço o tradicional presépio em minha casa, mas com ou sem musgo as imagens têm de lá estar. Em contrapartida fazemos sempre o presépio de leivas e heras em cada da minha mãe. O teu ficou muito bonito e as imagens são lindas. Tenho a certeza que os que já partiram, estejam onde estiverem, estão felizes por nos verem a manter viva a tradição.
ResponderEliminarTambém faço por manter as tradições que me foram passadas pelos meus pais e pela minha avó. E agora, com o meu filho, mais ainda. Quero que perceba que o Natal é muito mais do que presentes. E acho que, para já, estou a conseguir. Ele gosta genuinamente do Natal, das músicas, do Menino Jesus, da consoada... Espero que não mude :)
EliminarUm beijo.
Ilídia
Oi,minha querida!
ResponderEliminarEstou encantadissima com teu texto e,mais ainda, com o presépio, lindo! Tens toda razão, o Natal não é mesmo como era antigamente... E tuas lembranças, junto a tua avó,se parece muito com a minha. A essa altura ,eu já estava indo para o sítio e lá permanecia até janeiro e era eu a ajudante da vó com todos os preparativos para o grande dia. A família toda se reunia e era um encontro sempre muito feliz,cheio de amor, alegria e mesa linda e farta. A saudade é imensa! Voltando ao teu presépio, esteja certa que tua avozinha ficaria muito feliz e orgulhosa,pois está muito lindo e a família segue tentando manter a tradição. .. Imagino a alegria do Manel!
Que sigas,com muita paz e amor, preparando tudo para o grande dia,que promete ser muito feliz e abençoado,beijinhos, Katia.
Olá, Kátia.
EliminarO Natal para mim é isso tudo: família reunida, mesas fartas, presépios e avós pacientes e habilidosas. E tento incutir esse espírito de Natal no meu filho. E sabe, ele já gosta muito do Natal. "E não é só pelos presentes". Palavras dele, enquanto decorávamos a casa, no sábado. Estas declarações deixam-me imensamente feliz :)
Um beijo grande para si.
Ilídia
Tens razão... Não há como os Natais da nossa infância. Esses eram plenos, com todos e com a magia que a nossa inocência permitia. E parecia-me que esses dias eram tão longos. Hoje acho que passa tudo a correr! Felizmente vamo-nos prolongando nos nossos filhos. E sabemos que eles estão a viver essa Quadra com a intensidade da nossa meninice. Nesta altura do ano tenho mais saudade da minha avó materna. Que me deixou faz daqui a 9 dias os mesmos 14 anos...
ResponderEliminarBabette
É isso mesmo. Prolongamo-nos nos nossos filhos. É a felicidade plena deles que faz com que tudo volte a ser mais especial. Novamente um Natal (quase) pleno. Não fossem as ausências. Mesmo assim, ficam as memórias doces de outros Natais, passados na companhia de quem nos foi/ é muito. Por mais anos que passem, aqueles que marcaram muito as nossas vidas permanecem. E as nossas avós permanecerão.
EliminarUm beijo.
Ilídia
Olá Ilídia,
ResponderEliminarFiquei muito emocionada ao ler este post.
Também por aqui há saudades de quem já não está a celebrar o Natal connosco.
Que linda homenagem à sua avó! Ela merece, pelos ensinamentos que transmitiu.
Se assim não fosse, a Ilídia não estaria a transmitir os mesmos valores ao seu filho.
Penso que esse é que é o verdadeiro espírito de Natal e que se está a perder.
Presépio nunca tive o hábito de fazer. Continuo a não ter, agora por falta de espaço. Coloco sempre um pequeno, perto da árvore.
Também já cumpri a tradição, mesmo sem feriado.
Muito obrigada por esta viagem ao passado e por mostrar que o Natal não se faz de idas a centros comerciais e de Pais Natais, tantos que até enjoa! Do Menino Jesus ninguém se lembra.
Um beijo do Algarve e votos de boa semana,
Sandra Martins
Olá, Sandra.
EliminarAs saudades parecem mais fortes nesta altura. As músicas, as luzinhas, o frio, tudo serve para despertar uma lembrança, simultaneamente doce e dolorosa.
A minha avó era muito especial. E vivia o Natal de uma forma muito bonita. E eu falo muito dela ao meu filho, pois procuro perpetuar a sua memória e as minhas memórias com ela.
O meu presépio é pequenino, construído mesmo ao lado da lareira. Foi a primeira vez que construí um assim, mais "a sério" na minha casa. Antes, fazia como a Sandra: apenas as imagens perto da árvore de Natal. O que, no fundo, é aquilo que interessa.
Um beijo para o Algarve.
Ilídia
Pois. Não dá mesmo para recuperar essa frescura da infância. Dá só para reformular. E dá para isso, para recuperar memórias com pessoas dentro. Eu gosto muito do Natal. Creio que fui adaptando essa alegria de criança. É inevitável. O Natal na adolescência era diferente. O da faculdade também. E agora, este. Com um núcleo feito de raiz. Eu, o Vasco e o nosso filho. Nós e os nossos rituais. Nós e as nossas elipses. Nós e a nossa luz. Numa casa quente, com luzinhas espalhadas. Comecei ontem à noite a semear bocadinhos de Natal, em casa. Só pude à noite, que estivemos o dia todo no Banco Alimentar. Hoje haverá árvore e um presépio pequenino. Não vai é ser tão bonito como este.
ResponderEliminarUm beijo.
Mar
O meu Natal também tem sido vivido de maneiras diferentes ao longo dos anos. Acho que todos nós somos um bocadinho assim. E, com filhos pequenos, acabamos por recuar no tempo e por recuperar os Natais da nossa infância. E o meu passa muito pela minha avó. A materna ;)
EliminarPor esta altura, já deves ter acabado de semear o vosso Natal. Muito lindo isso de seres voluntária no Banco. Também já contribuí e, felizmente, vi carrinhos de compras cheios.
Um beijo,
Ilídia
Tudo tão lindo Ilídia. O teu texto, o teu (vosso) presépio, a mensagem... Continua a ser muito bom ler te!
ResponderEliminarPor aqui, já sabes, sou amante de presépios. A coleção vai crescendo, todos os anos e neste, em particular, queria dar lhes destaque, muita luz. A ver se consigo esse desígnio.
Um abraço de muitas saudades,
Guida
Obrigada, querida :)
EliminarEu sei que sim :) Eu andei afastada durante uns anos e, aos poucos, vou-me aproximando. E está a ser muito bom este regresso àquilo que me foi ensinado em pequena e que andou meio esquecido.
Fico à espera de ver esses presépios de luz. Combinado? ;)
Um beijo, também com saudades,
Ilídia