Tocam à
campainha. Deve ser o meu convidado. Abro a porta e encontro-o, no seu colete
branco e relógio de ouro, cabelinho impecável e ridiculamente penteado. Também
o bigodinho foi moldado com brio. Nas mãos, um ramo de rosas. Demasiado grande,
com uns salpicos dourados e um laço vistoso, também cor de ouro.
Tudo no Dâmaso grita opulência e mau gosto. O meu marido cumprimenta-o,
contrariado.
- Vais convidar esse tipo? É um pedante. Convida antes o Ega. Esse ao menos é divertido.– discordou, quando lhe falei do jantar, uns dias antes. Respondi-lhe que até achava graça ao Dâmaso e que pretendia ensinar-lhe uma lição. Vai ser divertido, vais ver.
Sabendo do desprezo que o Dâmaso tem por tudo o que é português, achei que seria engraçado pregar-lhe uma partida.
Quando viu o prato que lhe servi, olhou-o com curiosidade e desconfiança:
- Vais convidar esse tipo? É um pedante. Convida antes o Ega. Esse ao menos é divertido.– discordou, quando lhe falei do jantar, uns dias antes. Respondi-lhe que até achava graça ao Dâmaso e que pretendia ensinar-lhe uma lição. Vai ser divertido, vais ver.
Sabendo do desprezo que o Dâmaso tem por tudo o que é português, achei que seria engraçado pregar-lhe uma partida.
Quando viu o prato que lhe servi, olhou-o com curiosidade e desconfiança:
- Que prato
tão interessante...
- É uma novidade francesa. Está a fazer furor nos melhores restaurantes parisienses. Chama-se Croque-Monsieur au velouté lusitanien. Não conhece, Dâmaso?
Olhou-me, impressionado pelo título em francês e envergonhado pela sua ignorância.
- Creio… creio que já ouvi falar. Muito chic!
Consegui perceber um rubor a formar-se nas faces rechonchudas. Troquei um olhar cúmplice com o meu marido. O nosso convidado não percebeu, felizmente.
Para acompanhar a refeição, servi cerveja. Olhou-me de soslaio ao aperceber-se da falta de nobreza da bebida. Ao notar, porém, que se tratava de uma marca alemã, mudou imediatamente de atitude, enveredando por uma conversa acerca das qualidades do povo alemão e da superioridade civilizacional deste em relação ao português. O que ele não imaginava é que estava a beber a genuína cerveja lusa, que poderia encontrar em qualquer humilde taberna.
No fim, elogiou o jantar, a finesse da ementa:
- É uma pena, mas em Portugal nunca se inventarão pratos deste nível.
Com o meu ar mais sério, concordei e despedi-me. Olhei para o meu marido e sorri.
Consigo imaginar o Dâmaso a comentar, com os seus amigos burgueses:
- Vim agora de casa de uma gente muito chic. E comi um prato muito requintado, francês, cuja receita a dona da casa trouxe de Paris. Chic a valer!
- É uma novidade francesa. Está a fazer furor nos melhores restaurantes parisienses. Chama-se Croque-Monsieur au velouté lusitanien. Não conhece, Dâmaso?
Olhou-me, impressionado pelo título em francês e envergonhado pela sua ignorância.
- Creio… creio que já ouvi falar. Muito chic!
Consegui perceber um rubor a formar-se nas faces rechonchudas. Troquei um olhar cúmplice com o meu marido. O nosso convidado não percebeu, felizmente.
Para acompanhar a refeição, servi cerveja. Olhou-me de soslaio ao aperceber-se da falta de nobreza da bebida. Ao notar, porém, que se tratava de uma marca alemã, mudou imediatamente de atitude, enveredando por uma conversa acerca das qualidades do povo alemão e da superioridade civilizacional deste em relação ao português. O que ele não imaginava é que estava a beber a genuína cerveja lusa, que poderia encontrar em qualquer humilde taberna.
No fim, elogiou o jantar, a finesse da ementa:
- É uma pena, mas em Portugal nunca se inventarão pratos deste nível.
Com o meu ar mais sério, concordei e despedi-me. Olhei para o meu marido e sorri.
Consigo imaginar o Dâmaso a comentar, com os seus amigos burgueses:
- Vim agora de casa de uma gente muito chic. E comi um prato muito requintado, francês, cuja receita a dona da casa trouxe de Paris. Chic a valer!
Quando li sobre o desafio da Ana, pensei logo no Dâmaso, uma das personagens mais divertidas da literatura portuguesa. O Dâmaso, que continua tão atual. Pensei nos muitos Dâmasos deste país a quem me apetecia pregar partidas. Hoje em dia, esta não funcionaria, pois já toda a gente conhece a famosa francesinha. Mas o princípio seria o mesmo.
Francesinhas
(Receita do meu marido, nortenho)
Ingredientes para cada francesinha:
3 fatias de pão de forma
1 bife de porco
2 salsichas ou linguiças (daquelas muito
fininhas)
2 fatias de chourição
1 fatia de fiambre
2 fatias de queijo(flamengo, por exemplo)
1 ovo estrelado (opcional) – não costumo
pôr, acho que já há proteína que chegue, não vos parece?
Ingredientes para o molho – para 6
francesinhas bem regadas (e algum molho de reserva na molheira):
½ litro de água
100 g de polpa de tomate
50 g de manteiga
Piri-piri (a quantidade depende do gosto e
resistência de cada um)
2 cervejas de 25 cl
1 caldo de galinha
Sal a gosto
50 g de amido de milho (maizena)
Preparação do molho (Método tradicional):
Num tacho, mistura-se todos os
ingredientes, exceto o amido de milho. Vai-se mexendo, em lume brando, com
cuidado para não pegar. Quando ferver, adiciona-se o amido de milho, diluído
num pouco de água (apenas o suficiente para diluir bem – 5 a 6 colheres).
Vai-se mexendo sempre, até engrossar (este processo demora bastante tempo, por isso algumas receitas levam sopa de rabo de boi, para ajudar a engrossar. No entanto, na minha opinião, o sabor desta sopa de pacote adultera completamente o sabor do molho).
Dica: Caso seja necessário, passar a
varinha mágica, para desfazer eventuais grumos e deixar o molho homogéneo.
Preparação do molho (Na Bimby):
Colocar no copo todos os ingredientes,
exceto o amido de milho, e programar 20 minutos, 100 graus, velocidade 1.
Adicionar o amido de milho, diluído num pouco de água (apenas o suficiente para
diluir bem – 5 a 6 colheres). Programar mais 5 minutos, à mesma temperatura e
velocidade. Se for necessário, programar mais algum tempo, até que engrosse. No
fim, programar 30 segundos, velocidade 7.
Montagem da francesinha:
Grelhar os bifes, previamente temperados
com alho, sal, um pouco de vinho branco e pimenta, as salsichas, cortadas a
meio, e as fatias de chourição, apenas até adquirirem um aspeto “enrugadinho”.
Colocar num tabuleiro 1 fatia de pão por
pessoa, sobre cada uma, colocar um bife e uma fatia de fiambre, outra fatia de
pão, as salsichas e uma fatia de chourição. Cobrir com uma última fatia de pão
e duas fatias de queijo.
Regar generosamente com molho. Levar ao
forno até que o queijo esteja derretido.
Transferir para um prato e servir, simples
ou acompanhadas com batatas.
Ai meu Deus... vai ser o meu jantar de amanhã. Depois do Acores.rtp.pt, portanto para o tarde. Beijos Ilídia estava inqueta por esta partilha!!:)))
ResponderEliminarNão poderia estar mais de acordo. Os Maias são uma obra que perdura no tempo e que retrata muito bem a nossa sociedade. Aliás, se relembrar um pouco a obra, não evoluímos assim tanto. Para mim, Os Maias é a obra que me ensinou o significado de "diletantismo", atitude que hoje sei que anda de mãos dadas com a mentalidade do povo português. Francesinhas adoro, assim como o blogue. Bom domingo
ResponderEliminarQue delicioso!!!!!!
ResponderEliminarO texto....o prato ...as fotos....tudo.
Parabéns!!!!!
Beijinhos
Ilidia, adorei a tua história. É de facto muito triste o desprezo que tantos dão ao país que os viu nascer.
ResponderEliminarUma boa francesinha, muito chique sim sra.
Um beijinho e boa semana
Vou dizer uma grande barbaridade. Um segundo, estou a ganhar coragem. Nunca comi uma francesinha...:):) Pois é verdade!!
ResponderEliminarNão por falta de oportunidade, mas por peso na consciência, embora tenha noção de que já tenho feito e comido coisinhas bem mais engordativas:):)
A tua receita, no entanto, parece-me mais saudável do que o normal, ou pelo menos do que eu sempre pensei que fosse... Assim já me sinto mais tentada!
Adorei a tua sátira, o teu convidado está muito bem escolhido e a descrição do jantar é deliciosa:)
Beijinhos e um resto de um excelente domingo:)
Li atenciosamente a tua história, há tanta gente assim...é triste.
ResponderEliminarEu nunca provei uma francesinha, mas tenho vontade de experimentar.Afinal um dia não são dias!
A receita que apresentas é maravilhosa, fiquei com água na boca!
Beijinhos e bom domingo
Lídia, sei que sim :) Pensei em ti. Espero que gostem. Depois diz-me como correu.
ResponderEliminarMea, infelizmente não, não evoluímos muito. O Dâmaso (e Eça) continua muito atual. A boa literatura é assim. Permanece.
Ivone, obrigada. Até amanhã ;)
Gisela, obrigada. Enquanto não valorizamos o que é nosso, não avançamos. Temos tantas coisas boas neste país. É pena que haja muita gente que não as veja.
Alice, é claro que não é receita para se fazer com muita frequência. Raramente como, por isso nunca fico com problemas de consciência. É um pecado que me sabe bem, muito de vez em quando. Não sei se a minha receita é mais saudável do que o habitual. Talvez diferente, por não levar sopa de rabo de boi, como a maioria.
Obrigada a todas pelos comentários simpáticos. Beijinhos
Ana, experimenta. Também gosto muito desta receita. Quando conheci o meu marido, já ele a fazia. A receita veio de Santa Maria da Feira, de onde é natural, e é das melhores que já provei.
ResponderEliminarBeijinhos
Excelente lição de moral! Por acaso há muitos Dâmasos por aí a precisarem de lições como esta. Achei a ideia muito engraçada. Também queria participar no passatempo da Ana, mas estou sem ideias :(
ResponderEliminarA mesa está fantástica e a francesinha, mesmo apetitosa. Agora que já sei a receita do teu marido já posso experimentar.
Beijinhos
Que delícia de texto! E que bom aspeto o das francesinhas!
ResponderEliminarAs fotografias estão 5*.
Bj :)
Maria
Excelente escolha, o Dâmaso é realmente um personagem muito actual (aliás, cada vez mais actual)a receita não podia por isso ser melhor. Tenho uma receita de molho de francesinha algures,tenho que a encontrar, foi-me dada por uma amiga transmontana que vive no Porto.
ResponderEliminarE ainda tenho que me decidir pela minha personagem, ando a vacilar entre um personagem dum filme e o de um livro, se pudesse fazia os dois, mas o tempo esgota-se.
Beijinho e resto de bom fim de semana
Manuela
O que eu esperei por este convidado!
ResponderEliminarDesde o primeiro momento que estava convencida que ia escolher um personagem do Eça.
Adorei a escolha da ementa, ou não fosse eu ter um homem do Porto cá em casa a fazer-me descobrir as tradições do norte.
Boa semana.
Abraço
estu sem palvras... ... adorei o teu texto.
ResponderEliminarVou passá-lo para uma amiga britanica, com doutoramento em Eça
Bjs
Francesinhas, que deliiiicia! Ficou com um optimo aspecto, digno de um restaurante :)
ResponderEliminarAiii... adoro! São um dos meus pecados :P bjins
ResponderEliminarIlídia,
ResponderEliminarFico tão feliz com esta tua participação!
Quase apostava que ias convidar o Ega :)
Imagino o Dâmaso à vossa mesa de cabelo esticadinho e testa suada, que partida lhe pregaste.
Adorei a ideia e a receita das francesinhas. De apetite!!!
bjs e boa semana
Não podias ter um melhor convidado...adorei as fotos, ficaram lindas..adorei o teu arranjo de flores, está um "must"!
ResponderEliminarE claro, adorei a francesinha...
Beijinhos
llidia gostei muito desta receita e do texto,já fico por aqui,
ResponderEliminarconvido para visitar o Chá da tarde e quem sabe,participar de uma receita e deixar algo também escrito,
´gosto de postar receitas dos blogs que visito espero que acveites...
beijos
Ilídia, tenho andado um pouco afastada da blogosfera, como tive hoje oportunidade de te dizer. Como sabes, numa casa nova há sempre coisas para fazer e todo o tempo livre que tenho tem sido para tratar dos exteriores da casa, o que é tão terapêutico como cozinhar, apesar de bem mais cansativo. Quando vi o "teu" Dâmaso lembrei-me logo de outros Dâmasos que nos rodeiam diariamente, especialmente de um que pertence ao género feminino.LOL
ResponderEliminarO teu texto está um encanto. Por momentos senti-me a ler Eça.
Muitos parabéns!
Para além do prazer da leitura presenteaste-nos com uma receita que exerce um elevado poder sobre as glândulas salivares.
Beijinhos!
Patrícia
Que bela sátira e um convidado bem actual. Adorei Ilídia!
ResponderEliminarQuase que imagino o jantar, e adorei toda a descrição feita.
E quanto à francesinha, adoro :)
Um beijinho.
Boa tarde, chamo-me Nuno Neves e sou jornalista do Açoriano Oriental, de São Miguel.
ResponderEliminarEstou a fazer uma reportagem sobre gastronomia regional e blogues de açorianas entusiastas pela arte culinária.
E por esse motivo gostaria de falar consigo. Agradeço-lhe a atenção, os melhores cumprimentos
e-mail: nunomartinsneves@gmail.com
Brilhante, a desconstrução do maior dos pedantes da nossa literatura. Não podia ser de outra maneira, com uma anfitriã como tu.
ResponderEliminarE já tentei gostar de francesinhas. Um sacrilégio não gostar, tenho ideia. Ainda mais, quando se tem família no Porto. E um marido que nasceu lá. Mas é demais. Ao contrário do teu texto. Que é certeiro. Apetece ler outra vez:)
Um beijo.
Mar
Olá Ilídia:)
ResponderEliminarAdorei! Criaste uma história que retrata fielmente a nossa sociedade que tem a mania de superioridade e que é mais chic do que este e aquele e no fim são uns pobres coitados. Acho que serviste uma refeição boa e chic demais para tal personalidade. Mas no fim ele adorou como também eu adoraria:)
Boa semana!
Beijinhos
Vou te contar amiga, texto 5 estrelas, e essa foto OHHHHH meu Deus !!!! que fome que eu tenho !!!!.. MARAVILHA Mesmo !!! JINHOs :)
ResponderEliminarIlidia, adorei o teu jantar e a forma muito "chiq" que calaste o Dâmaso :D
ResponderEliminarO Prato tão tipicamente português, não poderia ser mais apropriado ;)
Tinha a certeza que a Ilídia traria Eça!... E logo o Dâmaso. Esse presunçoso tão português ;) Com tanto de chique como de naif. E cairia que nem pato, com esta amada iguaria portuguesa e afrancesada.
ResponderEliminarum beijo
Babette
Obrigada a todas. Fico feliz que tenham gostado da minha partida ao Dâmaso. Afinal, ele merece, não é verdade?
ResponderEliminarMoira, fico à espera de ver a sua receita. E a sua participação neste desafio, claro :)
Mané, creio que me deixaste mais ruborizada do que o próprio Dâmaso. Que responsabilidade :)
Patrícia, percebo perfeitamente. O início de uma casa consome-nos muito tempo. Sim, enquanto escrevia, também me lembrei de alguns "Dâmasos" :)
Guida, Ana e Babette, é curioso que já estivessem à espera que trouxesse Eça. Neste mundo, as pessoas acabam mesmo por se ir conhecendo, não é verdade?
Mar, não acho que seja um sacrilégio. Por acaso, apesar de gostar muito, percebo que não seja um prato fácil de se gostar. Muito pesado e com um molho muito forte. E, pelo que sei, não gostas muito de sabores muito fortes, não é verdade?
Beijos para todas
Ilídia,
ResponderEliminarQue excelentes escolhas! O Dâmaso é o meu pedante favorito e quase, quase também escolhi Eça. Fantástico o desenrolar do jantar e a ementa. Não podia ser mais adequada. Adorei o Croque-Monsieur au velouté lusitanien!!
Um beijo*
Adorei Ilídia, não podias ter retratado melhor o Dâmaso! Perfeito!
ResponderEliminarbeijinho
Lídia, mas que introdução chic! Deliciosa a tua historia, muito bem retratada!
ResponderEliminarIlidia,
ResponderEliminarComo é que me tinha escapado este jantar? O convidado é um must e fizeste da francesinha, que tão aprecio, uma verdadeira estrela. Parabéns!
Beijinhos