sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Avô

É um sentimento muito nosso. Muito português. Saudade. A maior parte das vezes, sabemos de quê. De quem. Outras, não. Temos saudades de um tempo indefinido. De uma situação. De uma certa maneira de viver. De algo que não conseguimos explicar. Nostalgia. 
Hoje, tive saudades. Saudades do meu avô. Não do avô que conheci. Essas, tenho sempre. Hoje, tive saudades do avô de que ouço falar. Das coisas que me contam. Saudades do avô de quem herdei o meu lado um bocadinho boémio. O avô que gostava de sair e de se divertir. O avô divertido, que colecionava amigos. O José Silveira, nome sempre pronunciado com carinho. Não só por mim. Por todos quantos dele se lembram. Ouço contar muitas histórias do meu avô. Muitas delas, divertidas. Outras, nem tanto. Esteve doente durante nove meses. Era muito jovem. Esteve paralisado. Os vizinhos e amigos iam "ajudá-lo a passar uns bocados". Numa época em que não havia televisão nem internet, estar fechado em casa ainda era mais difícil do que hoje. Mas as pessoas não falharam. Estiveram lá. Porque o José Silveira merecia. Porque era bom. Porque mostrou, várias vezes, a sua nobreza (de caráter, que é a única que interessa). Porque se compadecia e arriscava sempre que via que tal era necessário. Porque confiava nas pessoas, mesmo quando todos o aconselhavam a ser cauteloso. Ouço falar de um gesto muito nobre do meu avô: sabendo que um vizinho, pai de oito filhos, fora preso, pagou a fiança, fazendo-o prometer que, quando saísse da cadeia, "se faria um homem". Todos lhe diziam que estava a arriscar em vão. Que se dececionaria. Que se daria mal. Que estava a tirar comida da boca dos próprios filhos. Mas ele não conseguiu deixar "aqueles pequenos" sem pai. E fez bem. O vizinho "fez-se um homem". Não voltou a roubar. Um gesto nobre, o do meu avô.
Hoje, enviaram ao meu pai estas fotografias antigas. Tiradas nos anos cinquenta ou sessenta. Só "Silveiras", numa excursão ao mato (o interior da ilha, onde vivem os toiros - o meu avô, ao contrário de mim, era aficionado), aquando da visita de um primo que estava no Brasil. Nelas, estão presentes várias gerações de Silveiras. Alguns ainda estão vivos (os que na foto eram crianças). Outros, já partiram. Ao ver o riso maroto do meu avô (esse riso ainda conheci bem:), recordei-me do grande homem que foi. E tinha de vir aqui escrever sobre ele. 


(O meu avô materno está de óculos pretos, a segurar o chapéu.) 

9 comentários:

  1. Deixaste-me com a "lágrima no canto do olho" com este texto. Não há um dia que passe em que não sinta saudades. O meu avô é sempre uma presença proeminente no meio delas. Beijinhos grandes

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  2. Que lindo....outro dia li uma frase.. dizia..." mais vale ter saudades...do que caminhar sozinho" achei bonito...beijos minha amiga.Diana

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  3. Que saudoso testemunho!
    Também sinto saudades dos meus avós...já não tenho nenhum por cá!
    Certamente estão a olhar por mim...

    Obrigada pelo miminho! Ainda não provei....amanhã já posso comer...hoje estou a água.

    Bom fim de semana. Beijinhos

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  4. Ilidia
    As tuas saudades contagiaram-me, formando um nó.
    Do meu avó,único que conheci, lembro-me dos olhos azuis, das brincadeiras com os netos (que ainda hoje nos fazem riir qdo estamos reunidos, as suas judiaris uniram-nos... ...), a sua personalidade firme, que, ainda hoje, nos faz sentir com um elogio, quando alguém aponta para um de nós e afirma: "é mesmo avô Alfredo"... ...
    Creio que o teu avÕ sorriu com a homenagem feita por ti

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  5. Muito bonito!
    Parabéns, avô e neta.
    Bj.
    Maria

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  6. Que bonito, Ilídia e que belas fotografias.
    Beijinhos

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  7. Fiquei com a lágrima no canto do olho, amor a cada palavra.
    Beijinhos *

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  8. Uma bonita homenagem a um avô... As saudades fazem parte do gostar e recordar. Bom que assim, é. Haverá sempre memórias...
    Babette

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  9. Por um lado custa sentir saudades, por outro lado é bom.. só se sente saudades do que foi bom, de quem nos foi importante. Partilho do mesmo sentimento, saudades do meu avô..

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