quarta-feira, 28 de outubro de 2015

Berlim

Berlim não é uma cidade fácil. Talvez os anos aligeirem um bocadinho o peso da História. Por enquanto, é tudo muito recente. E quando se visita a cidade pela mão de alemães, que nos vão narrando as suas vivências na primeira pessoa, custa ainda mais. Se tivesse ido enquanto turista, acredito que não me teria sido tão penoso. Mas é diferente visitar Berlim guiada por quem viveu a História e nos conta como foi viver numa cidade dividida. Gelámos ao ouvir a história do jovem Peter Fechter, abatido ao tentar atravessar o muro, pela boca do nosso colega Harald, que se recorda de ser criança e ficar impressionado com a violência daquela morte exibida nas televisões. E as recordações do Martin, de apenas 29 anos, que viveu do lado Leste e se lembra vagamente de ir perto do muro receber presentes dos tios que viviam do outro lado. 
Mais difícil ainda é o Memorial do Holocausto. À primeira vista, apenas um monumento moderno, feito para homenagear as vítimas daquele que ficou na História como o ato mais tirano de sempre. Muito mais do que isso. Lá dentro, cai-nos a História em cima. Um efeito avassalador, o daquele monumento. O Harald aconselhou-me, no seu inglês cheio de sotaque: Go inside. Go alone. And feel it. Lá dentro, chora-se por aquela gente. No meio daquelas lajes de betão, sentimos (ou imaginamos o que terão sentido) um bocadinho da perplexidade, da solidão, da impotência daqueles que viveram o pior que se pode viver. Depois de sairmos, continuámos em silêncio. Com um nó na garganta, visitámos o Reichtag, o portão de Brandemburgo e outros pontos emblemáticos da cidade. E fomos ouvindo mais relatos. Desta vez, das nossas colegas polacas, que nos falavam das suas infâncias difíceis e de como as mães tudo faziam para que elas sentissem o menos possível o peso do regime. Comparadas com as suas experiências, os relatos dos meus pais sobre o tempo de Salazar soam a contos de fadas. 
Berlim é uma cidade cosmopolita e moderna, especialmente bonita nesta altura, com o colorido outonal característico dos países do Norte. Ainda assim, há uma sombra que paira. Só se dissipou quando entrámos no calor deste pub e pedimos uma refeição típica, acompanhada de uma cerveja preta artesanal. Aí a angústia deu lugar à alegria e à boa disposição. Talvez tenha de voltar a Berlim um dia e conhecer melhor o lado mais descontraído da cidade. 


















9 comentários:

  1. É quando ouço historias dessas que valorizo muito mais aquilo que tenho e dou muito mais valor ao pequeno paraiso onde vivemos. Beijinhos

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    1. Apesar de tudo, acho que tem razão. Vivemos num paraíso. Não obstante tudo o que temos de negativo no nosso país, há sempre quem esteja/ tenha estado pior.

      Um beijinho,

      Ilídia

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  2. Admirável e emotivo relato!
    Já estive em Berlim várias vezes - como turista e, nessa condição a visita é intensa ( Berlim tem muito, tem tanto para oferecer ...), mas leve, quase lúdica! A opressão senti-a em Dachau, perto de Munique, quando entrei no campode concentração que aí permanece para que " ... nunca se esqueça).
    De resto,a Alemanha é o país europeu que mais gosto visitar.
    Beijo

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    1. Sim, percebi que Berlim é uma cidade muito cheia de tudo e que pode ser leve e lúdica. Mas, na minha curta visita, andei por lugares muito pesados. Demasiado. Imagino que Dachau seja avassalador. Mas o curioso do Memorial do Holocausto é que não é um retrato do que foi. É uma metáfora com um efeito muito forte.

      Um beijo,

      Ilídia

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  3. Nunca fui a Berlim mas é uma das cidades que mais vontade tenho de visitar. Uma visita guiada assim é forte e faz-nos pensar em quem somos e em tudo o que vivemos (se calhar o que achamos que está mal agora cá, era uma benção para muito lá fora), mas também é uma visita que nos faz penetrar na história e noutro tempo e isso é algo raro e inesquecível.
    Convido-te a fazer-me uma visita em Gulosoqb

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    1. Visitei Berlim em condições especiais. Não guiada por profissionais do turismo nem por minha conta. Visitei a cidade com gente que viveu lá e que a conhece bem. Valeu muito a pena. Mas tenho pensado que deveria dar mais uma oportunidade à cidade e tentar ver o(s) outro(s) lado(s).

      Um beijo,

      Ilídia

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  4. Tenho adiado Berlim, a Alemanha. Já te falei disso e tenho a noção de que um dia, terei de ajustar contas com essa limitação interior. Creio que, antes de Berlim, terei de fazer uma viagem que me será ainda mais difícil. Terei de ir à Polónia. Estou a aguardar que o meu filho cresça mais um bocadinho. Já teria sensibilidade e capacidade de memória, agora. Mas a minha intuição diz-me que ainda não é o tempo.
    Independentemente disso, as tuas imagens e o teu texto dão ideia do que será o confronto com a memória do Mal. Tão próxima. Na História, na Geografia, na cronologia colectiva.

    Um beijo. Bom fim-de-semana para ti.

    Mar

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    1. Não sei se te disse, mas a próxima viagem do projeto é à Polónia. A escola fica no Norte e não creio que esteja contemplada uma visita a Auschwitz.
      Mas concordo contigo. É daqueles lugares que devemos visitar. Também acho, que é cedo para o António, por mais bem resolvido que seja. Deve ser de uma dureza extrema. Poupa-o mais um bocadinho.

      Um beijo,

      Ilídia

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  5. Que belo post cheio de sensibilidade. Obrigada pela partilha de uma experiência plena.

    Ana Vasconcelos

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