quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Tofu e solidão

Entre os momentos mais deprimentes da minha vida estão as refeições que tomei sozinha, quando dava aulas noutra ilha. Para quem gosta da cozinha, de refeições partilhadas, de conversas à volta da mesa, comer só pode ser angustiante. Pelo menos, se essa solidão for imposta. Pegar num individual, num prato, num copo, num guardanapo, num garfo e numa faca pode ser um ato doloroso. Um ato que contrasta com o de pôr uma mesa para dois. E, desde há três anos, para três. Para mim, pôr a mesa é um momento de alegria, de partilha. A ausência dessa partilha tornava os momentos em que me sentava à mesa sozinha, tendo por única companhia a televisão, de uma angústia tremenda. Eu, que nem gosto assim tanto de ver televisão, ligava o aparelho numa tentativa vã de dar vida à casa. Soube, nesses momentos, o que era a solidão. Não se tratava de querer estar a sós comigo. De ter uns momentos para mim. Esta era uma solidão que não era procurada.
Tenho almoçado algumas vezes sozinha, em casa. E tem-me sabido bem. E tem-me feito refletir sobre a diferença entre algo que é voluntário e algo que nos é imposto. O que era um sacrifício tornou-se num prazer. Um prazer que só o é porque sei que às 16:30, mais minuto menos minuto, eles vão entrar em casa e contar-me como foi o seu dia.
Hoje, almocei este tofu, uma agradável surpresa. Depois de a Susana me ter falado muito bem desta receita, decidi experimentá-la, num destes almoços solitários (o meu marido é avesso a este tipo de comidas alternativas :). Fica, realmente, muito saboroso, a lembrar a comida indiana, que aprecio bastante, devido ao caril e ao leite de coco. Saboreei-o, tendo por companhia os meus dois gatos, que já começam a procurar o aconchego do sofá. Também eles já se aperceberam de que o verão acabou :) 
Eu, a almoçar sozinha, em silêncio, sentada a uma mesa, enquanto a chuva batia nas vidraças, noutros tempos teria sido um momento deprimente. Hoje, porém, soube-me muito bem. 

na hora de pôr a mesa, éramos cinco:
o meu pai, a minha mãe, as minhas irmãs
e eu. depois, a minha irmã mais velha
casou-se. depois, a minha irmã mais nova
casou-se. depois, o meu pai morreu. hoje,
na hora de pôr a mesa, somos cinco,
menos a minha irmã mais velha que está
na casa dela, menos a minha irmã mais
nova que está na casa dela, menos o meu
pai, menos a minha mãe viúva. cada um
deles é um lugar vazio nesta mesa onde
como sozinho. mas irão estar sempre aqui.
na hora de pôr a mesa, seremos sempre cinco.
enquanto um de nós estiver vivo, seremos
sempre cinco.

                                                        José Luís Peixoto

(Tenho medo disto. De um dia só restar uma memória.)



Caril de Tofu 

Ingredientes:

250 g de tofu
1 cebola
2 tomates maduros
5 c. de sopa de azeite
1 maçã ralada
1/2 caixa de leite de coco
1 c. de sopa de caril
1/2 limão
1/2 frasco de natas de soja (não usei)
2 dentes de alho
Molho de soja, sal, 1 folha de louro, pimentão doce, pimenta 5 bagas moída na hora.

Preparação:
Cortei o tofu em cubos e temperei com o sumo de limão, os dentes de alho picados e sal. Deixei marinar durante 1 hora. 
Num tacho, aqueci o azeite e refoguei a cebola picada com o tomate descascado e cortado em cubinhos e deixei estufar em lume brando, com a tampa, até formar molho.
Adicionei o tofu e umas gotas de molho de soja e deixei refogar um bocadinho, tendo cuidado para não o desfazer.
Adicionei a maçã ralada, o caril, as pimentas e o leite de coco, mexi com cuidado e deixei estufar mais um pouco.
Antes de servir, retifiquei os temperos.

A Susana sugere como acompanhamento ananás e batata doce assada. A sugestão parece-me excelente, no entanto, não tinha em casa nenhum destes ingredientes. Assim, servi com arroz de legumes. E também ficou bom :)

17 comentários:

  1. Olá Ilidia!
    A palavra Tofú chamou-me logo.
    Mas a palavra solidão também.
    Respirei de alivio quando li o texto, pois percebi que te referias a uma solidão "de outros tempos", a tal imposta e mal recebida por quem é obrigada a ela.
    Concordo em absoluto contigo.
    Também já passei por momentos de solidão imposta (à força) e não foi nada fácil.
    Mas aconteceu há tantos anos que já nem lembro a pormenor.
    Atualmente almoço e janto muitas vezes sozinha, mas é uma solidão procurada, voluntária. É das coisas que me sabe melhor, poder comer calmamente, em sossego, só eu e os meus pensamentos. Um nirvana completo!
    Para terminar, adorei o aspecto do teu tofú de caril. Sou fã de temperos asiáticos.
    Beijinhos,
    Rute

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  2. Essa também é uma refeição que tomaria sozinha, pois o meu marido recusa-se a comer tofu! ;))

    Por mim, não tenho nada contra, sobretudo se tiver caril à mistura.

    Beijinhos.

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  3. Bom dia Ilídia, no inicio assustei-me com o titulo do post, à medida que o fui lendo percebi tratar-se de uma fase pela qual todos nós passamos em alguma altura das nossas vidas, e feliz de quem não passou por isso.
    Gostei muito do teu tofu, na melhor oportunidade irei experimentar a receita.
    Um beijinho.

    P.S:Obrigada pela visita, foi um gosto receber-te;)

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  4. Gostasse eu de caril e acho que seria uma receita a considerar.
    Este poema foi-me dado a conhecer por uma amiga minha e gosto MUITOOO, tanto que já tenho repetido e faz parte de um selecção que tenho preparada para o meu blog :)
    Confesso que não me faz confusão fazer qualquer actividade sózinha, talvez porque não há qualquer imposição nos actos, mas entendo o que referes.
    Beijinho e um bom dia
    :)
    Mané
    http://obolodatiarosa.blogspot.com/

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  5. Solidão como a tua acho que nunca passei, mas passei outro tipo de "solidão acompanhada". Estar na presença de gente e sentir solidão. É outro tipo de solidão que também deixa marcas. Mas o importante é ter-mos consciência que todas essas emoções faezm parte da vida e que somos vitoriosas se sairmos delas ilesas.
    Ainda bem que gostás-te do tofú, mas olha que as natas é um ingrediente imprescendível atribui cremosidade ao tofú.

    Beijinhos

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  6. Não sei se gostei mais do seu texto ou do Peixoto ;)
    Eu almoço sozinha e tenho nisso um prazer, mas porque de facto é uma opção,
    Um abraço

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  7. É realmente deprimente uma refeição sem companhia. Eu ficou sempre triste ao almoço pois como sempre no meu emprego e sozinha, parece que até a comida sabe de modo "diferente". quanto ao texto do Peixoto não quero ler muitas vezes eheh
    E quanto ao prato nunca provei tofu, é algo para experimentar, com companhia espero:-)

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  8. Conheço bem essas refeições solitárias. Do vazio de uma casa que não é a nossa por muitos objectos nossos que por lá se encontrem. Passei uma fase idêntica por uns poucos de meses que me pareceram muitos. Entretanto acabei por arranjar companhia para o almoço, o que ajudou a diminuir esse sentimento de solidão avassalador (não menos avassalador do que a "solidão acompanhada" de que a Susana fala). Foi apenas uma fase que já passou e agora posso voltar a gozar o gosto de estar sozinha de vez em quando e de apreciar o silêncio e um prato assim tão bom, mesmo que não seja partilhado (presencialmente, claro, que sempre temos a partilha virtual).
    Esse tofu é uma excelente sugestão para a minha marmita.
    Beijinhos
    Carla
    http://decozinhaemcozinha.blogspot.com/

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  9. Ora bem Ilidia,
    Escrevo o meu comentário pela terceira vez, já que o bloguer parece não o querer aceitar de maneira nenhuma LOL.
    Essa solidão de que falas conheço-a bem. Do silêncio de uma casa que não é nossa mesmo que esteja repleta de objectos que nos são intimos. Do silêncio dos talheres contra o prato e do som de fundo da televisão. Da tristeza que se sente. Passei por momentos desses há uns anos atrás, mas só por alguns meses, que, no entanto, pareceram tantos. Resolveu-se entretanto quando as minhas funcionárias me pediram para usar uma sala do serviço para almoçar e me convidaram para fazer companhia. Esse convite foi uma "benção" que me ajudou a diluir a solidão nas horas pós trabalho. Foi uma fase que passou. Agora posso voltar a ter prazer em estar sozinha, em encontrar-me no sil~encio e deliciar-me com um prato saboroso como esse tofu (que é uma excelente sugestão para a minha marmita).
    Beijinhos
    Carla

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  10. Ilídia, como eu te compreendo.
    Senti o mesmo quando estive em S.Jorge, mas tudo já passou...e agora sentimo-nos mais fortes.
    Agora o tofu...só mesmo experimentando.
    Beijinhos

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  11. Ilídia amiga, por vezes é tão bom ter só um pouco de solidão...depois vêm as pessoas que amamos, lindo o teu post...bjokitass

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  12. Li o teu texto. Consegui rever-me nele inteiramente porque experienciei exatamente o mesmo e pelos mesmos motivos. Consegui controlar as diferentes emoções que por mim iam passando, e que já pensava esquecidas, mas tu destruiste por completo a minha compostura com o extrato de José Luís Peixoto. E, de repente, vi-me a visualizar o futuro como algo terrível, solitário e inevitável. Afinal, os melhores tempos são estes. Os do nosso presente.
    Neste momento não tenho palavras para comentar o tofú.
    Patrícia

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  13. A imposição implica metástases deste género. Ecos que soam a tristeza. Mas sabe, deste post, registo principalmente o agora. Que não é impositivo ou contrariado. A solidão é voluntária. E assim, é muito bela. É assim que entendo as coisas. A sua e a minha solidão. Como a de que falei, quando escrevi sobre os almoços a sós que me sabem a vida interior. Uma mulher precisa de muita vida interior. Para nunca se esquecer de si. Para estar mais para as vidas que estão perto.

    Um beijo.

    Mar

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  14. Olá

    Eu de facto não gosto de comer só, sinto um vazio muito grande...felizmente não acontece muitas vezes. Quanto a este prato é algo a experimentar, mas só para mim, o meu marido não embarca nestas aventuras!!


    Beijinhos

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  15. Olá Ilídia vinha finalmente comentar o teu post anterior que já o tinha visto, mas agora ao ver este fiquei para aqui a pensar nas tuas palavras e neste pequeno texto do josé Peixoto, que nunca li, mas já me falaram que ele é uma agradável surpresa. É bem verdade, quando a solidão é imposta, quando nao temos escolhas, quando nao podemos decidir... É duro, por isso temos de aproveitar cada momento com as pessoas que gostamos. Mas agora que podes escolher, sentes que afinal esses almoços a sós até sabem bem, mas porque o teu coraçao sabe que a campainha vai tocar em breve. Quanto à tarde que passaste com as tuas amigas reais e virtuais que afinal já não o sao, só posso te dizer que é magnífico marcarem esses encontros, é de louvar! Porque afinal a vida é isto. E como disse noutro comentário, agora vou me roer de inveja... mas da boa claro. bjs e adorei a receita apesar de nao conhecer o sabor do tofu, mas se é caril já sei que vou gostar.

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  16. Olá Ilídia,
    às vezes sabe bem comer coisas diferentes. Adorei a referência ao poema do José Luís Peixoto.

    Um beijinho e bom fim-de-semana.

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  17. É uma das coisas que mais detesto, fazer refeições sozinha! Talvez por adorar cozinhar e ser a própria refeição um momento de partilha, quando estou sozinha deixa de fazer sentido.
    O poema é muito bonito.
    Beijinhos

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O Acre e Doce é um blogue que celebra a vida de casa, principalmente os momentos passados à volta da mesa. É um blogue de coisas que nos fazem felizes, sejam uma refeição, um filme, um livro ou um ramo de flores frescas.