Entre os momentos mais deprimentes da minha vida estão as refeições que tomei sozinha, quando dava aulas noutra ilha. Para quem gosta da cozinha, de refeições partilhadas, de conversas à volta da mesa, comer só pode ser angustiante. Pelo menos, se essa solidão for imposta. Pegar num individual, num prato, num copo, num guardanapo, num garfo e numa faca pode ser um ato doloroso. Um ato que contrasta com o de pôr uma mesa para dois. E, desde há três anos, para três. Para mim, pôr a mesa é um momento de alegria, de partilha. A ausência dessa partilha tornava os momentos em que me sentava à mesa sozinha, tendo por única companhia a televisão, de uma angústia tremenda. Eu, que nem gosto assim tanto de ver televisão, ligava o aparelho numa tentativa vã de dar vida à casa. Soube, nesses momentos, o que era a solidão. Não se tratava de querer estar a sós comigo. De ter uns momentos para mim. Esta era uma solidão que não era procurada.
Tenho almoçado algumas vezes sozinha, em casa. E tem-me sabido bem. E tem-me feito refletir sobre a diferença entre algo que é voluntário e algo que nos é imposto. O que era um sacrifício tornou-se num prazer. Um prazer que só o é porque sei que às 16:30, mais minuto menos minuto, eles vão entrar em casa e contar-me como foi o seu dia.
Hoje, almocei este tofu, uma agradável surpresa. Depois de a Susana me ter falado muito bem desta receita, decidi experimentá-la, num destes almoços solitários (o meu marido é avesso a este tipo de comidas alternativas :). Fica, realmente, muito saboroso, a lembrar a comida indiana, que aprecio bastante, devido ao caril e ao leite de coco. Saboreei-o, tendo por companhia os meus dois gatos, que já começam a procurar o aconchego do sofá. Também eles já se aperceberam de que o verão acabou :)
Eu, a almoçar sozinha, em silêncio, sentada a uma mesa, enquanto a chuva batia nas vidraças, noutros tempos teria sido um momento deprimente. Hoje, porém, soube-me muito bem.
na hora de pôr a mesa, éramos cinco:
o meu pai, a minha mãe, as minhas irmãs
e eu. depois, a minha irmã mais velha
casou-se. depois, a minha irmã mais nova
casou-se. depois, o meu pai morreu. hoje,
na hora de pôr a mesa, somos cinco,
menos a minha irmã mais velha que está
na casa dela, menos a minha irmã mais
nova que está na casa dela, menos o meu
pai, menos a minha mãe viúva. cada um
deles é um lugar vazio nesta mesa onde
como sozinho. mas irão estar sempre aqui.
na hora de pôr a mesa, seremos sempre cinco.
enquanto um de nós estiver vivo, seremos
sempre cinco.
o meu pai, a minha mãe, as minhas irmãs
e eu. depois, a minha irmã mais velha
casou-se. depois, a minha irmã mais nova
casou-se. depois, o meu pai morreu. hoje,
na hora de pôr a mesa, somos cinco,
menos a minha irmã mais velha que está
na casa dela, menos a minha irmã mais
nova que está na casa dela, menos o meu
pai, menos a minha mãe viúva. cada um
deles é um lugar vazio nesta mesa onde
como sozinho. mas irão estar sempre aqui.
na hora de pôr a mesa, seremos sempre cinco.
enquanto um de nós estiver vivo, seremos
sempre cinco.
José Luís Peixoto
(Tenho medo disto. De um dia só restar uma memória.)
Caril de Tofu
Ingredientes:
250 g de tofu
1 cebola
2 tomates maduros
5 c. de sopa de azeite
1 maçã ralada
1/2 caixa de leite de coco
1 c. de sopa de caril
1/2 limão
1/2 frasco de natas de soja (não usei)
2 dentes de alho
Molho de soja, sal, 1 folha de louro, pimentão doce, pimenta 5 bagas moída na hora.
Preparação:
Cortei o tofu em cubos e temperei com o sumo de limão, os dentes de alho picados e sal. Deixei marinar durante 1 hora. Num tacho, aqueci o azeite e refoguei a cebola picada com o tomate descascado e cortado em cubinhos e deixei estufar em lume brando, com a tampa, até formar molho.
Adicionei o tofu e umas gotas de molho de soja e deixei refogar um bocadinho, tendo cuidado para não o desfazer.
Adicionei a maçã ralada, o caril, as pimentas e o leite de coco, mexi com cuidado e deixei estufar mais um pouco.
Antes de servir, retifiquei os temperos.
A Susana sugere como acompanhamento ananás e batata doce assada. A sugestão parece-me excelente, no entanto, não tinha em casa nenhum destes ingredientes. Assim, servi com arroz de legumes. E também ficou bom :)
Olá Ilidia!
ResponderEliminarA palavra Tofú chamou-me logo.
Mas a palavra solidão também.
Respirei de alivio quando li o texto, pois percebi que te referias a uma solidão "de outros tempos", a tal imposta e mal recebida por quem é obrigada a ela.
Concordo em absoluto contigo.
Também já passei por momentos de solidão imposta (à força) e não foi nada fácil.
Mas aconteceu há tantos anos que já nem lembro a pormenor.
Atualmente almoço e janto muitas vezes sozinha, mas é uma solidão procurada, voluntária. É das coisas que me sabe melhor, poder comer calmamente, em sossego, só eu e os meus pensamentos. Um nirvana completo!
Para terminar, adorei o aspecto do teu tofú de caril. Sou fã de temperos asiáticos.
Beijinhos,
Rute
Essa também é uma refeição que tomaria sozinha, pois o meu marido recusa-se a comer tofu! ;))
ResponderEliminarPor mim, não tenho nada contra, sobretudo se tiver caril à mistura.
Beijinhos.
Bom dia Ilídia, no inicio assustei-me com o titulo do post, à medida que o fui lendo percebi tratar-se de uma fase pela qual todos nós passamos em alguma altura das nossas vidas, e feliz de quem não passou por isso.
ResponderEliminarGostei muito do teu tofu, na melhor oportunidade irei experimentar a receita.
Um beijinho.
P.S:Obrigada pela visita, foi um gosto receber-te;)
Gostasse eu de caril e acho que seria uma receita a considerar.
ResponderEliminarEste poema foi-me dado a conhecer por uma amiga minha e gosto MUITOOO, tanto que já tenho repetido e faz parte de um selecção que tenho preparada para o meu blog :)
Confesso que não me faz confusão fazer qualquer actividade sózinha, talvez porque não há qualquer imposição nos actos, mas entendo o que referes.
Beijinho e um bom dia
:)
Mané
http://obolodatiarosa.blogspot.com/
Solidão como a tua acho que nunca passei, mas passei outro tipo de "solidão acompanhada". Estar na presença de gente e sentir solidão. É outro tipo de solidão que também deixa marcas. Mas o importante é ter-mos consciência que todas essas emoções faezm parte da vida e que somos vitoriosas se sairmos delas ilesas.
ResponderEliminarAinda bem que gostás-te do tofú, mas olha que as natas é um ingrediente imprescendível atribui cremosidade ao tofú.
Beijinhos
Não sei se gostei mais do seu texto ou do Peixoto ;)
ResponderEliminarEu almoço sozinha e tenho nisso um prazer, mas porque de facto é uma opção,
Um abraço
É realmente deprimente uma refeição sem companhia. Eu ficou sempre triste ao almoço pois como sempre no meu emprego e sozinha, parece que até a comida sabe de modo "diferente". quanto ao texto do Peixoto não quero ler muitas vezes eheh
ResponderEliminarE quanto ao prato nunca provei tofu, é algo para experimentar, com companhia espero:-)
Conheço bem essas refeições solitárias. Do vazio de uma casa que não é a nossa por muitos objectos nossos que por lá se encontrem. Passei uma fase idêntica por uns poucos de meses que me pareceram muitos. Entretanto acabei por arranjar companhia para o almoço, o que ajudou a diminuir esse sentimento de solidão avassalador (não menos avassalador do que a "solidão acompanhada" de que a Susana fala). Foi apenas uma fase que já passou e agora posso voltar a gozar o gosto de estar sozinha de vez em quando e de apreciar o silêncio e um prato assim tão bom, mesmo que não seja partilhado (presencialmente, claro, que sempre temos a partilha virtual).
ResponderEliminarEsse tofu é uma excelente sugestão para a minha marmita.
Beijinhos
Carla
http://decozinhaemcozinha.blogspot.com/
Ora bem Ilidia,
ResponderEliminarEscrevo o meu comentário pela terceira vez, já que o bloguer parece não o querer aceitar de maneira nenhuma LOL.
Essa solidão de que falas conheço-a bem. Do silêncio de uma casa que não é nossa mesmo que esteja repleta de objectos que nos são intimos. Do silêncio dos talheres contra o prato e do som de fundo da televisão. Da tristeza que se sente. Passei por momentos desses há uns anos atrás, mas só por alguns meses, que, no entanto, pareceram tantos. Resolveu-se entretanto quando as minhas funcionárias me pediram para usar uma sala do serviço para almoçar e me convidaram para fazer companhia. Esse convite foi uma "benção" que me ajudou a diluir a solidão nas horas pós trabalho. Foi uma fase que passou. Agora posso voltar a ter prazer em estar sozinha, em encontrar-me no sil~encio e deliciar-me com um prato saboroso como esse tofu (que é uma excelente sugestão para a minha marmita).
Beijinhos
Carla
Ilídia, como eu te compreendo.
ResponderEliminarSenti o mesmo quando estive em S.Jorge, mas tudo já passou...e agora sentimo-nos mais fortes.
Agora o tofu...só mesmo experimentando.
Beijinhos
Ilídia amiga, por vezes é tão bom ter só um pouco de solidão...depois vêm as pessoas que amamos, lindo o teu post...bjokitass
ResponderEliminarLi o teu texto. Consegui rever-me nele inteiramente porque experienciei exatamente o mesmo e pelos mesmos motivos. Consegui controlar as diferentes emoções que por mim iam passando, e que já pensava esquecidas, mas tu destruiste por completo a minha compostura com o extrato de José Luís Peixoto. E, de repente, vi-me a visualizar o futuro como algo terrível, solitário e inevitável. Afinal, os melhores tempos são estes. Os do nosso presente.
ResponderEliminarNeste momento não tenho palavras para comentar o tofú.
Patrícia
A imposição implica metástases deste género. Ecos que soam a tristeza. Mas sabe, deste post, registo principalmente o agora. Que não é impositivo ou contrariado. A solidão é voluntária. E assim, é muito bela. É assim que entendo as coisas. A sua e a minha solidão. Como a de que falei, quando escrevi sobre os almoços a sós que me sabem a vida interior. Uma mulher precisa de muita vida interior. Para nunca se esquecer de si. Para estar mais para as vidas que estão perto.
ResponderEliminarUm beijo.
Mar
Olá
ResponderEliminarEu de facto não gosto de comer só, sinto um vazio muito grande...felizmente não acontece muitas vezes. Quanto a este prato é algo a experimentar, mas só para mim, o meu marido não embarca nestas aventuras!!
Beijinhos
Olá Ilídia vinha finalmente comentar o teu post anterior que já o tinha visto, mas agora ao ver este fiquei para aqui a pensar nas tuas palavras e neste pequeno texto do josé Peixoto, que nunca li, mas já me falaram que ele é uma agradável surpresa. É bem verdade, quando a solidão é imposta, quando nao temos escolhas, quando nao podemos decidir... É duro, por isso temos de aproveitar cada momento com as pessoas que gostamos. Mas agora que podes escolher, sentes que afinal esses almoços a sós até sabem bem, mas porque o teu coraçao sabe que a campainha vai tocar em breve. Quanto à tarde que passaste com as tuas amigas reais e virtuais que afinal já não o sao, só posso te dizer que é magnífico marcarem esses encontros, é de louvar! Porque afinal a vida é isto. E como disse noutro comentário, agora vou me roer de inveja... mas da boa claro. bjs e adorei a receita apesar de nao conhecer o sabor do tofu, mas se é caril já sei que vou gostar.
ResponderEliminarOlá Ilídia,
ResponderEliminaràs vezes sabe bem comer coisas diferentes. Adorei a referência ao poema do José Luís Peixoto.
Um beijinho e bom fim-de-semana.
É uma das coisas que mais detesto, fazer refeições sozinha! Talvez por adorar cozinhar e ser a própria refeição um momento de partilha, quando estou sozinha deixa de fazer sentido.
ResponderEliminarO poema é muito bonito.
Beijinhos