domingo, 12 de junho de 2011

O primeiro livro

Lembro-me perfeitamente do meu primeiro dia na escola primária. Recordo-me de estar à espera da professora, de mão dada com a minha mãe, com o meu vestidinho de xadrez vichy vermelho e branco. Usava totós, apanhados com elásticos vermelhos e umas bolinhas vermelhas e brancas, a condizer com o vestido. Se não me falha a memória, as sandálias eram brancas. As outras meninas estavam tristes, algumas choravam. Eu não. Estava fascinada. Queria tanto aprender, saber coisas novas. Conseguir ler livros sozinha.
Quando cheguei à primária, já conhecia todas as letras e já conseguia ler algumas palavras (papa, bola, pato…). No verão anterior, a minha avó dera-me umas lições, com a ajuda preciosa da Cartilha Maternal, de João de Deus. Faltava só um empurrãozinho para que eu conseguisse ler sozinha. Assim, mal comecei a juntar as letras e a formar palavras, quis ler uma história.
Lembro-me bem. Estava sentada na biblioteca da minha pequena escola primária. Chamo-lhe biblioteca mas, na realidade, não era mais do que uma estante com livros. No entanto, já na altura aquele amontoado de livros me fascinava. Levantei-me e, com os olhos a brilhar, percorri a estante, à procura do que mais me agradava. A Fada Oriana. Gostei do nome. Abri o livro. Devagarinho, consegui chegar ao fim do primeiro parágrafo. Era uma vez uma fada chamada Oriana. Era uma fada boa e era muito bonita. Vivia livre, alegre e feliz dançando nos campos, nos montes, nos bosques, nos jardins e nas praias. Recordo-me de ver Oriana a rodopiar, linda, com os seus longos cabelos brilhantes. Voei com ela e com a Rainha das Fadas “por cima de planícies, lagos e montanhas.” Pela primeira vez, estava a ver a magia das palavras. Palavras que se transformavam em imagens. Imagens que passavam depressa na minha cabeça. Estava, pela primeira vez, sem saber, a conhecer o mito de Narciso, através de Oriana, que se deixou deslumbrar pelo seu reflexo. Como sofri quando ela perdeu as asas. Como torci para que as voltasse a ter. Como fiquei feliz quando a Rainha das Fadas a salvou e lhas devolveu. Ao ritmo de quem há pouco aprendera a ler, demorei alguns dias para acabar o livro. Todos os dias lia um bocadinho e decorava a página em que a leitura tinha sido interrompida. No dia seguinte, retomava a história, no ponto em que a tinha deixado. E, nesses momentos, saía da sala pequenina da minha escola primária e viajava para longe, para o país das fadas.

“E Oriana levantou a sua varinha de condão e tudo ficou encantado.”
A Fada Oriana, Sophia de Mello Breyner Andresen

Imagem retirada daqui

9 comentários:

  1. Pois eu nunca o li. Por cá o meu livro da escola chamava-se "Papu" e ainda hoje sei muitos textos de cor e lembro-me de cada ilustração que os acompanhavam. Tive a sorte de ter uma avó professora que apesar de muito rígida soube-me ensinar. Acredito que a sua rigidez teve influência em mim, no meu pensar, ela fazia-me sempre querer ser mais e melhor. Aos 4 anos acompanhava-a para as suas aulas. Levei puxões de orelhas em frente aos seus olhos, ser sua neta em nada mudava a minha condição. Não considero isso violência, não morri, não a processei. Estou viva e muito grata por cada puxão de orelhas e por cada lágrima que deitei enquanto decorava o alfabeto. Eram lágrimas de frustração, de não conseguir melhor. Nos meus 31 anos, é com muita pena que assisto a pais que não se dão ao respeito, a professores que em nada honram a sua profissão, e é com muito receio que temo a chegada desse futuro próximo para as minhas filhas. É bom quando aprendemos a ler, é bom mantermos o hábito e é sobretudo passá-lo às gerações seguintes. As minha filhas só têm 2 anos mas já faço questão de lhes ler uma história antes de dormir, e, se me esqueço elas pedem uma "tóia". Quem sabe aos poucos não desperto o bichinho da leitura para quando chegar o momento certo. Boa semana.

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  2. 3 B's, o meu filho tem quase três anos e também não adormece sem uma história. Vai à estante do seu quarto e é ele quem escolhe a que quer ouvir. Já sabe algumas de cor. Em relação aos teus receios quanto à educação das tuas filhas, acalma-te. Dou aulas ao 11º ano, mas trabalho numa escola onde estão miúdos desde os três anos. E vejo muitos professores bons. E tenho colegas que têm filhos no 1º ciclo que estão a ser muito bem orientados. Há de tudo, como em todas as profissões. Mas continua a haver bons professores. E penso que não é preciso puxões de orelhas. Acredito que não fizessem mal, que não traumatizassem alguns. Outros, no entanto, criaram aversão à escola devido a esses castigos. Acredito que tudo vai correr bem com as tuas filhas, pois elas já têm o mais importante: uma mãe que se preocupa e lhes lê "tóias" antes de dormir. Acredita que são estes simples rituais que fazem os bons alunos. Claro que os bons professores também ajudam :) Um beijo grande dos Açores

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  3. Acho que só li esse livro pelas mãos do meu filho, quando andava na escola primária. Infelizmente não me lembro de nenhum, pelo menos que me marcasse, do meu tempo de escola primária. Mas sei que lia muito e sempre gostei muito de ler. Também passei esse gosto ao meu filho que também começou a ler muito cedo mas ultimamente, com 16 anos, dedica-se mais ao computador que á leitura. Fases que passam.

    Boa semana!
    Beijinhos da Formiguinha

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  4. Formiguinha, ainda bem que conseguiu incutir esse hábito ao seu filho. Pena que agora esteja afastado dos livros. Mas há de voltar a eles. Todos sabemos que a adolescência é uma fase complicada. Boa semana

    Ana, obrigada pela visita. Volte sempre. Um beijinho

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  5. Eu tambem me lembro bem do meu primeiro dia de escola e como tu dizes havia lágrias e receios, mas eu já era uma aventureira e queria descobrir o que se passava numa sala de aula. Adorei a minha professora era uma pessoa calma e nunca a vi a repreender ninguém e podia-se estar naquela sala porque havia bom comportamento dos alunos e respeito uns pelos outros.
    Já a encontrei depois de casar e já adulta e apesar de estar velhinha ainda me reconheceu chama-me "loirinha de olhos verdes".
    O primeiro livro que me ofereceram foi ela que mo deu. No final do 1.º ano ela ofereceu uns livrinhos pequenos de bolso a todos nós. Lembro-me que fiquei encantada e muito contente com o meu livro amarelo que contava a história do Peter Pan.
    Tenho boas recordações da minha primária e principalmente da minha professora Madalena que não sei se ainda é viva.

    Esse livro da Fada Oriana nunca o li mas pego neles quase todos os dias lá na Biblioteca,lol. Tenho que o ler mesmo agora depois de adulta pois são obras excecionais.

    Beijinhos e até amanha.

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  6. Pois, Susana, tens que o ler. Amanhã, na biblioteca, vou ver se to meto na mala :) Beijinhos e até amanhã

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  7. Sabe que quis muito aprender a ler por causa das histórias onde havia fadas? No meu imaginário, eram sempre brancas e etéreas. Pelos livros, conferi-lhes mais densidade. Ou não. Talvez tenham ficado a ser ainda mais etéreas. Por passarem a ser imaginadas por mim e pelas letras que ia juntando. A Fada Oriana também faz parte do meu imaginário frágil de criança. Obrigada por ter evocado aquilo que há em mim que acredita como se fosse pequenina outra vez.
    E um beijo com carinho. Pelo que deixou no blog que fica do outro lado do mar.

    Mar

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  8. Mar, pelos vistos as fadas da nossa infância são muito semelhantes. As minhas também eram brancas e etéreas. E com longos cabelos loiros e ondulados. Um beijo

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