terça-feira, 17 de maio de 2016

Terra

Terra lavrada e pintada
Com a ponta da charrua
Tela nua
Colorida.
Onde um gesto compassado,
Sagrado, 
Semeia a vida.

         Miguel Torga


Cheguei há pouco da horta. Andei a regar o que semeei no feriado. Doem-me os músculos das costas e das pernas. Sinto-me como depois de um daqueles treinos intensos, após muito tempo sem fazer exercício. Até a sensação de dever cumprido é semelhante. Estas pausas nas coisas de que gostamos ainda as valorizam mais. Como o primeiro banho de mar, em junho ou julho. Ou a primeira noite de lareira, lá para novembro. Ou o primeiro dia em que, depois de um longo inverno, usamos aquele vestido leve, guardado meses a fio.
Ontem foi feriado nos Açores. Segunda-feira do bodo, dia da nossa autonomia. Houve quem tenha passeado, quem tenha feito piqueniques, quem já tenha ido à praia. Eu fui para a terra. Toda a tarde trabalhei. Lavrei, com o trator do meu pai, que aprendi a usar. Semeei cenouras, manjericão, plantei tomateiros e couves. Em breve haverá courgettes e mais tomateiros, quando os deste canteiro crescerem mais um pouco. Amarelos e roxos, que gosto de cor. Na horta e no prato. 
Ao ver este retângulo de terra escura e fofa, percebo a falta que a minha horta me fez. Sei que já é tarde para sementeiras, mas hei de regar os meus canteiros ao fim do dia. E sei que esses momentos de silêncio, depois de dias cheios e ruidosos, me farão bem. 






Depois desta tarde de primavera, outro sinal de que as estações quentes se aproximam: as refeições improvisadas com os vizinhos do lado. Em menos de um segundo, juntam-se ingredientes e combina-se um jantar. Enquanto, depois daquela tarde na horta, já de banho tomado, descia os três degraus que separam o meu jardim do do meu irmão, carregada com o meu contributo para o jantar, pensava em como aquele trajeto, naquele dia, me estava a saber bem. E em como simbolizava o princípio de mais uma época de verão. Andei pela horta deles, sempre inspiradora. Persegui com a câmara uma abelha que pousava nas flores da salva. No fim, um raminho de flores para a mesa. Isso são as minhas ervas daninhas?, pergunta a minha cunhada. Como ficam bem! A rematar tudo, um jantar saboroso, preparado a várias mãos, já com sabor a verão.







Fica a banda sonora do jantar. E os desejos de continuação de boa semana.



2 comentários:

  1. Que post lindo, Ilídia. Aquela coisa boa de termos um dia em que decidimos tudo o que nos acontece. Na medida do possível, claro. Mas tão bom que possa ser assim. Uma alegria grande, por teres voltado à (tua) terra. Cuidarmos de qualquer coisa é tão importante. Mesmo que seja num vaso. Numa altura complicada da minha vida, o mais importante de tudo era cuidar de uns jacintos que tinha num vaso, na minha casa de universitária. Durante aqueles meses que me pareceram os mais longos da minha vida, cuidar daquelas flores era o dado mais determinante de todos.
    Espero pelas coisas boas que vão surgir desse pedaço de terra que te faz feliz.

    Um beijo.

    Mar

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    Respostas
    1. Obrigada, minha querida! É um post muito especial para mim. Falámos nesse dia de manhã. Contei-te que ia recomeçar a minha horta e que o meu amigo Luciano me ia ajudar a lavrar a terra. Na verdade, quando chegou, eu já tinha feito o trabalho quase todo. Foi com muito orgulho que, no dia seguinte, exibi na escola as bolhas que fiz nas palmas das mãos :) Unhas pintadas de vermelho e bolhas de lavrar a terra. Somos feitos de tantas coisas, não é?
      As cenouras já nasceram e os tomateiros já estão maiores. Este fim de semana não deu para ir para a terra, mas no próximo não falto!

      Um beijo para ti,

      Ilídia

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O Acre e Doce é um blogue que celebra a vida de casa, principalmente os momentos passados à volta da mesa. É um blogue de coisas que nos fazem felizes, sejam uma refeição, um filme, um livro ou um ramo de flores frescas.