Quando toco nestes lençóis, recuo no tempo. Quando passo a mão pelo linho e pela renda, sou transportada até aos anos 40. Até ao tempo em que os dias eram longos. Longos e sempre iguais. Sento-me à janela, a preparar o meu enxoval, juntamente com as outras meninas. A minha avó e a irmã. Em surdina, trocamos confidências e damos risadinhas. Cantamos A Moleirinha, de Guerra Junqueiro. Sento-me no estrado, a olhar para a rua de terra batida, onde não se ouvem carros. Apenas vozes de crianças que, descalças, jogam à bola. Uma buzina. É o homem que vem buscar as tesouras para amolar. A mãe, que estava na cozinha, a tender o pão, aparece. As vizinhas assomam à janela. Amontoam-se, à volta do amolador. As meninas continuam a bordar. Afinal já não falta muito para o casamento. E os lençóis têm de estar prontos. Hão de estar. Assim como as toalhas de mesa. E as rendas para as toalhas do lava-mãos. A minha avó está nervosa. Ela, que nunca saiu de casa, mudar-se para uma terra estranha, longe dos pais! Viver com um marido que conhece mal. Apenas de encontros dominicais, sempre muito vigiados. Porém, está feliz. Gosta dele. E é um bom casamento, dizem. A voz imperativa da mãe: Meninas, para dentro, os soldados vão passar!
Nos anos quarenta, na Terceira, o maior terror dos pais das meninas de bem eram os soldados que por cá se encontravam. Aproveitavam-se das donzelas, ingénuas, e punham-se a andar. Assim, cabia aos pais protegê-las, escondendo-as dos olhares perigosos dos mancebos. Segundo contava a minha avó, os pais dela foram muito bem sucedidos. Esses atrevidos nunca lhe puseram a vista em cima! E homem, só conhecera o meu avô!
gostei de viajar contigo...o passado é bom ser recordado dessa forma
ResponderEliminarBeijinho
Estas memórias são mais da minha avó do que minhas. Escrevi o texto a partir daquilo que ela me contava. Só a Moleirinha fez parte da minha infância :) Porque a minha avó me ensinou :)
EliminarBeijinhos
Que lindo lençol!...Fragmentos do passado no presente. Gosto disso ;)
ResponderEliminarUm beijo
Babette
Eu também :) Estes lençóis eram da minha avó. Deu-mos uns anos antes de morrer. Foi ela quem fez a renda. Delicadíssima.
EliminarBeijo
Perdeu-se muito a ideia do enxoval. Facto triste este. O pronto-a-vestir e o pronto-a-comprar retira valor às coisas.Desumaniza-as. Torna-as descartáveis porque são substituíveis. Esses lençóis situar-se-ão sempre no inatingível, num patamar superior repleto de histórias de vidas passadas que se renovam no presente.
ResponderEliminarCom este post soubeste eternizá-los.
Um beijinho
Patrícia
Gosto muito destas peças que pertenceram à minha avó. Até toalhas do lava-mãos tenho. Não as uso, pois são pouco práticas, mas gosto de olhar para elas de vez em quando.
EliminarBeijinho
Gostei, belíssimo texto, cheio de bonitas imagens:)
ResponderEliminarAs estórias contadas pelas avós estão sempre cheias de encanto:)
Beijinhos
Obrigada, Alice. A minha avó era uma boa contadora de histórias. Adorava ouvi-la. Agora ainda vejo melhor a mulher especial que ela era.
EliminarBeijinhos
Não tive enxoval, eu. Embora se tenham esforçado muito para que o tivesse:) Pressões amorosas da minha mãe. E da minha madrinha, também. Mas não quis. Havia só umas peças de que gostava muito e trouxe-as comigo só por isso. Por gostar delas antes da minha condição de casada e por querer usá-las sempre. Depois, eu e o Vasco fizemos o resto:)
ResponderEliminarLinda, a delicadeza branca da imagem. Com unhas pintadas:)
Um beijo de boa semana, minha Ilídia.
Mar
Eu tive enxoval. A minha avó fez-me coisas muito bonitas. Mas estes lençóis não foram feitos para mim. Eram do enxoval dela. Por isso ainda são mais especiais. A renda é feita numa linha finíssima. Gosto muito.
EliminarSim, sempre com unhas pintadas :)
Beijos
Essas peças são peças de muito valor e que devem ser bem muito bem estimadas. Tenho uns lençois bordados pela minha que estão muito bem arrumados, porque o inconveniente dessas peças bordadas antes do tempo era não servirem nas camas :) O que aconteceu comigo, tristeza :( Uma toalha de mesa que foi bordad pela minha mãe e sogra (na altura em que era saudável) que muito estimo. Peças que nos contam algo.
ResponderEliminarNão tenho pena de não ter vivido nos anos quarenta. Porque se tivesse vivido nessa atura era bem capaz de ter sido uma dessas donzelas que teria sido raptada por um militar ;) (percebes?) Caso para dizer... mudam-se os tempos, mudam-se as vontades :)hehehe
Beijinhos :)
Pois, as camas antigas eram mais estreitas. Os meus lençóis também são pequenos para a minha cama, mas com jeitinho, servem :)
EliminarPois, Susaninha, a menina não resiste a uma farda :) Se tivesses vivido nos anos 40, terias dado dores de cabeça aos teus pais :) Ainda bem que as coisas mudaram e o teu militar não é um dos atrevidos de que a minha avó me falava :)
Beijinhos
Lindas as lembranças, mas infelizmente não vivi nessa época, porem o detalhe do lençol amo de paixão e por coincidência tenho uma toalha de bandeja igualzinha inclusive a cor...
ResponderEliminarPuxa, tenho uma toalhinha de bandeja igualzinha, inclusive a cor e olha que eu sou apaixonada por ela.
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