domingo, 25 de março de 2012

Manuel, o patriota


           O Manuel já sabe a letra do hino nacional. Não fomos nós que lha ensinámos. Nem a ouviu antes de um qualquer jogo de futebol, pois é coisa que não vemos cá em casa. Aprendeu-a na escola. Canta o hino do princípio ao fim. As palavras complicadas e tudo. Até “egrégios” diz, de forma meio abebezada, o que não deixa de ter o seu encanto :)
Quando eu era estudante, nunca me ensinaram o hino. Nos anos 80 e 90, os tempos de Estado Novo e de Mocidade Portuguesa ainda estavam demasiado presentes para que se ensinasse o hino nas escolas. Depois de décadas de “patriotismo à força”, a tendência era negar tudo o que tivesse a ver com amor à pátria (a própria palavra pátria lembrava Salazar). Assim, cresci sem saber o hino. Só mais tarde o aprendi, por considerar que era um dever de qualquer cidadão. E uma vergonha não o saber.
Agora, quando ouço o Manel, com a sua vozinha infantil, cantar “Levantai hoje de novo/ o esplendor de Portugal”, sem fazer a mínima ideia do que aquilo quer dizer, não deixo de me comover. Não por ele, aos três anos, saber o hino de cor. Comovo-me por pensar que quero muito que ele assista ao “esplendor de Portugal”. Desejo, peço, rogo (não sei bem a quê ou a quem) que ele tenha um país justo, um país que mereça o seu patriotismo. Espero que, quando ele crescer, quem estiver no leme do país queira acolher os seus compatriotas. Que não os mande emigrar. Que tenha espírito de sacrifício. Que seja um verdadeiro Messias.

Nevoeiro
Nem rei nem lei, nem paz nem guerra,
Define com perfil e ser
Este fulgor baço da terra
Que é Portugal a entristecer -
Brilho sem luz e sem arder,
Como o que o fogo-fátuo encerra.

Ninguém sabe que coisa quer.
Ninguém conhece que alma tem,
Nem o que é mal nem o que é bem.
(Que ânsia distante perto chora?)
Tudo é incerto e derradeiro.
Tudo é disperso, nada é inteiro.
Ó Portugal, hoje és nevoeiro...

É a Hora!

           Fernando Pessoa, Mensagem

6 comentários:

  1. No meu tempo de estudante o Hino Nacional era ensinado na escola, vinha a letra do Hino escrita no livro.
    E os meus filhos também o aprenderam na escola.

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    1. Pois,Luísa. E eu acho muito bem. Mas comigo não foi assim. Infelizmente. Ainda bem que com o meu filho está a ser diferente. Beijinhos

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  2. Eu aprendi o hino na Escola Primária. Tínhamos de nos levantar quando a professora dissesse. Do nada, às vezes. Ela queria certificar-se de que o sabíamos inteiro. Não acho que isso tenha que significar nacionalismos que não interessam nada. Não fiquei formatada.
    O poema é como todos os da Mensagem: encríptico. Está para lá das percepções imediatas. E sabes, sempre a tempo que estamos todos. Da tal Hora.

    Boa semana, minha Ilídia.

    Mar

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    1. Olá, Mar. Claro que não. Claro que cantar o hino não significa nacionalismos que não interessam nada, como dizes. No entanto, quando fiz a primária, houve uma tendência para negar tudo o que fizesse lembrar o ensino praticado no Estado Novo. E as minhas professoras seguiram isso à risca.
      A grandeza da Mensagem é mesmo essa: podermos ler os poemas de vários ângulos, adaptá-los a várias realidades. Em relação à Hora, sim, estamos a tempo. Assim espero.
      Um beijo.

      P.S.: Sim, como vês, já consigo comentar o teu blogue. Só não me deixou daquela vez. Caprichos:)

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  3. O teu Manel é sem dúvida uma delicia, com sentido de pátria para descobrir e tudo.
    Qto ao poema...tenho-o em tempos de nésperas http://obolodatiarosa.blogspot.pt/2011/06/memorias-em-tempo-de-eleicoes.html
    Beijinho
    mané

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    1. Olá, Mané
      Estou a ver que estás a comentar outra vez como anónima. O blogger anda novamente a dar problemas, não é?
      Em relação ao Manel, apesar de lhe achar imensa piada a cantar o hino, tenho a noção de que não faz ideia do que "pátria" significa :) No entanto, acho bem que, ao contrário do que aconteceu comigo, esses valores sejam incutidos desde cedo. Mal não faz, não é verdade?
      Já fui espreitar as tuas nesperas ;)
      Beijinho

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