Estou deliciada com o livro que ando a ler: Abraço, de José Luís Peixoto, um escritor que consegue despertar-me emoções como poucos. Foi o único, até hoje, que me pôs a chorar no princípio de um livro. O livro era Cemitério de Pianos e o meu avô tinha morrido havia pouco tempo. Lembro-me de ler exatamente aquilo que eu sentira pouco tempo antes. E de não ter conseguido controlar as lágrimas. Pouco tempo depois, Morreste-me, sobre a morte do pai. Outro livro avassalador. Lágrimas, novamente. Mais recentemente, Livro, que, apesar de ser belíssimo, não conseguiu despertar-me as mesmas emoções que os anteriores. E a nossa relação com a Literatura passa muito pelos sentimentos que um texto nos desperta. E os sentimentos provocados por um livro dependem muito das nossas vivências, das nossas experiências. Por isso é que o leitor, de certa forma, acaba por também fazer parte do processo de criação.
Recordo, particularmente, um texto de Cal, "A Idade das Mãos", que me fez reviver as emoções que senti ao observar as mãos da minha avó, morta. Lembro-me de tentar ignorar o rosto, tão diferente do que conhecera. Concentrei-me apenas nas mãos, que me pareciam inalteradas. Recordo-me de, durante o velório, recuar uns anos e ver as minhas mãos de criança, enlaçadas nas dela, a caminho da missa. Enlaçadas naquelas mãos, agora já sem vida. Mas que continuavam iguais. Ao olhar as mãos da minha avó morta, recuei muitos anos e vi-as, a fazer crochet. A fazer as toalhas de renda para o meu enxoval. E vi as mãos da minha avó, com a sua letrinha imperfeita, a escrever as cartas em verso que me mandava, pelo correio, quando eu andava na universidade. Lembro-me de pensar como era possível acabar tudo daquela maneira. Como é que uma pessoa que me tinha sido tão querida ia desaparecer para sempre? E surgem-me, então, novamente, os versos redentores de JLP: “enquanto um de nós estiver vivo, seremos / sempre cinco”. Agora, onze anos depois da morte da minha avó, vejo que ela não desapareceu para sempre, como eu temia. Continua bem presente nas nossas memórias. E estes meus textos são mais uma tentativa de a eternizar.
Este Abraço é um livro sincero e ternurento. Tocam-me particularmente as descrições dos momentos vividos com o filho pequeno, nos quais me revejo. As brincadeiras, as perguntas inocentes, o amor incondicional e quase doloroso que sentimos ao olhar para um filho, as dúvidas que nos assolam. Revejo-me nos episódios da infância do autor, numa terra muito distante de Galveias, mas onde, afinal, se vivia de forma muito semelhante. Ainda agora o comecei, mas apeteceu-me vir aqui falar deste livro do escritor que escreve tão bem as coisas que sinto.
O livro de que gostei mais do JLP chama-se Nenhum Olhar. A metáfora dos dois irmãos gémeos siameses unidos pelo dedo mindinho, eu que tenho dois filhos gémeos, e todas as angústias da vida, traduzidas nas vidas simples de pessoas de uma aldeia comoveram-me. Bom, que esteja rodeada de um Abraço.
ResponderEliminarAceite outro.
Babette
Fiquei de lágrima no canto do olho, acho que se deve ao facto de a minha avó ter falecido à poucos meses... Gosto muito de JLP e tive o breve prazer de conversar um pouco com ele precisamente na apresentação do "Livro", que veio assinado. É de uma simpatia e simplicidade apaixonantes :)
ResponderEliminarAdorei ler-te!
ResponderEliminarObrigada ;)
Maria
Primeiro cativou-me o discurso do JLP aqui na feira do livro, durante o Verão deixei-me encantar por "Livro" e agora estou ainda mais tentada a dar utilidade a um voucher que recebi no Natal!
ResponderEliminarAcabei de ler o último de Valter Hugo Mãe e na estante já espreita "Abraço"... Estava com dificuldade em decidir-me, mas acho que fiquei convencida! Obrigada pela partilha!
ResponderEliminarCreio não conseguir acrescentar nada ao que escreveste sobre os livros dele. Disseste as coisas daquela maneira que fica. Um ensaio que vale por si. A tentar dizer os efeitos avassaladores da literatura. É que deve ser assim, a literatura. Atingir-nos. E dizer as coisas que pensamos e sentimos. Mas que não conseguimos dizer bem como ou o que são.
ResponderEliminarAinda bem que existe, o José Luís Peixoto. E tu, que o lês.
Um beijo.
Mar
Que bem que disse tudo! E mais uma vez as minhas preferencias tão iguais as suas. Também o Livro foi o que menos senti. O Cemitério foi lido devagarinho, numa tentativa de o poupar, de o guardar, por ser tão bom. Em trabalho, vou tendo oportunidade de conhecer alguns escritores. Digo, muito a brincar, que o JLP tem alguém numa cave a escrever para ele. Porque ninguém da minha idade pode escrever aquilo. Mas depois leio a Ilidia, que e da minha idade, e também ela escreve assim, a fazer-me engolir bocadinhos de sal.
ResponderEliminarUm abraço
Guida
Um texto intnço e cheio de memórias que consegues transmitir com palavras. Gostei de te ler e por momentos lembrei-me da minha avó que também está presente na minha vida, apenas por memórias.
ResponderEliminarAinda não tive oprtunidade de ler nenhum livro de autor, mas prometo que o farei. Agora estou a ler um muito cativate, gosto deles assim, e que já estou com pena de o terminar. O importante é ter sempre um livro como companhia, não é?
Beijinhos
Deve ser muito bom quando nos encontramos assim num livro. Eu acho que nao sou grande adepta de leituras porque ainda nenhum me tocou assim tão profundamente.
ResponderEliminarTania *
O primeiro livro que li dele foi 'Morreste-me'. Ficou-me para a vida, esse livro e um poema d' A Criança em Ruínas'
ResponderEliminarBabette, nunca cheguei a ler Nenhum Olhar (É o primeiro que escreveu, creio). Mas vou fazê-lo, depois desta sua partilha. Percebo a forma como se identificou com o livro, o que corrobora aquilo de que falo no meu texto: os livros tocam-nos de modo particular, devido às nossas experiências de vida. E a beleza da Literatura está, em grande parte, nisso.
ResponderEliminarP.S.: Tenho saudades de a ler e de ver os seus cozinhados :)
Ondina, é essa a ideia que também tenho de JLP: alguém grande, mas que não se deslumbra facilmente com a fama. E essa simplicidade e honestidade refletem-se na sua obra, também ela honesta e despretenciosa.
Em relação à tua avó, verás que, com o tempo, aquilo que no princípio é uma saudade dolorosa se transforma numa lembrança doce. Mas demora um certo tempo, infelizmente.
Maria, obrigada, querida :)
Menos, se empregar esse voucher neste Abraço, não se arrependerá :)
Rita, curiosamente também acabei recentemente o Filho de Mil Homens, de VHM, outro grande da nossa Literatura :)
Mar, ainda bem que existe, sem dúvida. E sabes no que penso às vezes? Ainda bem que tem pouco mais idade do que eu e que, se tudo correr bem, há de viver e escrever durante muito tempo. É que quando gosto muito de um artista que já tem uma certa idade, fico angustiada, por pensar que já não produzirá muito mais :)
Guida, muito obrigada pelas suas palavras simpáticas. Já percebi que temos muitos gostos em comum. O Cemitério é delicioso, não é? :) Gostei da metáfora do sal, e não deixo de me sentir lisonjeada com os seus elogios. Significam muito para mim:)
Susana, são as memórias que ficam. E temos que as preservar. Recordar a minha avó, comentar com a minha mãe certas conversas, certas características da sua personalidade, certos episódios que vivemos juntas ajuda-me a apaziguar as saudades que tenho dela.
Quanto a JLP, temos alguns livros dele na "nossa" biblioteca. Foi um dos escritores que percebi LOGO que tinha de estar naquelas estantes. Tens de ler. Mas sim, tens razão, o importante é ter um livro como companhia. Se for um livro bom como os dele, melhor ainda.
Tânia, tenho pena. Continue a tentar. Acredito que encontrará o livro que fará de si uma leitora. Experimente um dos de JLP.
Um Abraço para todas.
Leonor, Morreste-me fica, realmente para a vida :) Agora ando com vontade de ler Gaveta de Papéis. Li um pequeno texto e apaixonei-me.
ResponderEliminarUm Abraço
Abraçaste-me por completo com o teu texto. Já li Cemitério de Pianos e Livro. JLP é sem dúvida um escritor de uma sensibilidade inigualável que tem o condão de nos tocar no nosso âmago, como se as suas vivências fossem também as nossas. A literatura portuguesa no seu melhor!
ResponderEliminarUm abraço.
Patrícia
envolveste-me no livro, despertaste-me para o autor...que nunca li :(.
ResponderEliminarObrigada...por qual devo começar?? (estou a necessitar de um livro que me prenda logo na primeira linha...na primeira palavra...)
Patrícia, JLP é, realmente, um escritor belíssimo. Temos, atualmente, alguns escritores jovens muito bons. Gosto de vários, mas este é, pelas razões que já referi no meu texto, aquele que mais me toca.
ResponderEliminarMané, por que não este Abraço? É um livro autobiográfico, que me parece adequadíssimo para um primeiro contacto com o escritor. E depois, os outros, mais ficcionais.
Beijinhos para as duas.
Olá Ilídia! Já tanto ouvi falar desse escritor e sempre bem. Já vi entrevista dele e achei-o bem humilde. Estou com curiosidade de ver a escrita dele. Se bem me lembro acho que ja tinhas falado dele num outro teu post, por isso estou duplamente curiosa. Gostei do teu texto... Hoje estou nostálgica. bjs e boas leituras acompanhadas de um belo chá quentinho
ResponderEliminarCarla, tens mesmo de conhecer os livros dele. São fabulosos. Sim, publiquei ha algum tempo um poema dele, "Na hora de pôr a mesa". E é possível já ter falado dele mais vezes, pois é dos meus escritores de eleição.
ResponderEliminarBeijinhos
Definitivamente, escreves como o próprio JLP - e isto é um elogio! Sinceramente, gostei.
ResponderEliminarBeijinhos
Luís Filipe Miranda
Obrigada, Luís. Vindo de ti, este elogio tem muito valor.
EliminarUm beijo
Cemitério de pianos foi também o primeiro livro que li dele. E depois este Abraço. E que bonito o excerto que publicaste do "seremos sempre cinco". Lembro-me de já o ter lido na íntegra, mas onde?
ResponderEliminarOlá, Vespinha. Este poema está em Cal, se não me engano. Mas tenho-o na íntegra aqui: http://maisacrequedoce.blogspot.pt/2011/09/tofu-e-solidao.html
ResponderEliminarBeijinhos