domingo, 25 de novembro de 2012

We will survive

De tempos a tempos, a ilha em suspenso. A ameaça de despedimentos. Nunca acontecia. Já nem as levávamos muito a sério. Mas desta vez é que é. Desta vez é a sério. Desta vez, segundo o Expresso de ontem, vão ser despedidos 500 trabalhadores da Base das Lajes. Dos 800, ficarão apenas 300. 
Os semblantes dos terceirenses, já carregados devido à economia nacional, têm mais esta sombra. Há uma lista com nomes, diz-se. Uns, querem estar nela. Cansados de uma vida de trabalho, esperam a reforma para descansar. Outros (a maior parte, acredito), temem-na. Resta saber se os americanos lhes vão fazer a vontade e mandar descansar os pais e deixar trabalhar os filhos.
Não concebo esta ilha sem a Base. Foi este o tema do segundo post deste blogue. Faz parte de nós, terceirenses. Várias gerações a trabalhar na Base, para os americanos. Apanhar um trabalhinho na Base costumava ser garantia de uma boa vida. Trabalho bem pago, ordenado na conta de 15 em 15 dias. Uma vida confortável, sem grandes preocupações financeiras. 
As consequências na ilha vão ser muitas. Para além dos 500 que ficarão sem trabalho, há todos os outros. Os que alugam casas aos americanos, as baby sitters dos filhos dos americanos, os que cortam as relvas dos americanos, os restaurantes que os têm como principais clientes... Não é preciso ter grandes conhecimentos de economia para se perceber o impacto desta decisão. Basta passar algum tempo aqui para ver a importância que a presença americana tem na nossa ilha. Também do ponto de vista social. O convívio com os americanos é algo muito natural para nós, terceirenses. Mais ainda para nós, praienses. As minhas primeiras "aulas" de inglês foram em casa, a ver Sesame Street e General Hospital, no canal americano.  Lembro-me de ver, da janela da minha casa, o fogo de artifício no  Fourth of July. Tive e tenho vizinhos americanos. Cruzo-me com eles, às vezes, e cumprimentamo-nos, em inglês. Lembro-me de a dona Gabriela, grande amiga da minha mãe, vir a nossa casa com a Kimberly, a quem fazia baby sitting, e de eu brincar com ela. Adorava o seu cabelo todo entrançado, com elásticos coloridos. Foi a primeira vez que vi uma menina de outra raça. 
Vão-se os americanos. Ficam as hambergas, os mapas, as sueras, os alvaroses, os candinhos, as culas e as frizas. Fica o inglês macarrónico e as memórias da abundância de outros tempos. Dos tempos em que íamos, aos domingos, ao parque infantil da Base, com escorregas em caracol, coisa que não havia "cá fora". E se nos portássemos bem, tínhamos direito a uma hamberga e a um gelado no 31. Ficam as memórias das levi's 501 e das All Star de várias cores e das sapatilhas nike e dos raibanos estilo aviador. E dos vídeos e das televisões Sony. E dos bolos da Base e dos chocolates 3 Musketeers. Ficam as memórias de tempos bons e felizes, em que havia subsídios de Natal para ir ao BX comprar presentes e perus gigantes para a mesa de Natal. 
E agora? Agora, a ilha arregaça as mangas e reinventa-se. Como? Havemos de descobrir.

Glossário:
hamberga (hamburger)
mapa (mop) - esfregona
suera (sweater) - camisola
alvaroses (overalls) - jardineiras
candinhos (candies) - rebuçados
cula (cooler) - geleira
friza (freezer) - arca congeladora
raibanos - óculos de sol Ray Ban (ainda uso uns, que eram do meu pai, e que foram comprados na Base, claro :)



9 comentários:

  1. Nunca estive na sua ilha mas o seu post fez-me sorrir apesar do tema ser triste. A "cultura" americana está presente onde menos se espera e todos estes vocábulos também eu os ouvi a grande parte da minha família emigrada na América sempre que vinham de férias.Tenho imensas recordaçóes de todos os produtos que traziam as malas e do cheiro de outras terras que traziam consigo. Lembro-me também das encomendas que de lá vinham, embrulhadas em cartão pardo e atadas com cordel grosso e que transformavam a abertura em momentos mágicos para toda a família que tinha ficada por cá. Era tal a influência que desde os meus 4 anos o meu sonho era visitar nova york! quando lá fui em adulta, chorei sentada no avião com uma emoção não explicada pela vista de uns tantos prédios! Tantas recordações de infância! tantos mundos novos que nos entravam deste modo nas vivências de então. Ao ler hoje a notícia do minguar da base também me lembrei disso , da influência que este povo deixaria no sitio onde estiveram tantos anos. Mas ficará a memória impregnada no mais inusitado e nas memórias que os viram crescer.
    Gostei muito do seu post. E gosto muito do seu blog.

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  2. Está a ficar complicado... até senti um arrepio ao ler o teu post...

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  3. Que essas nuvens negras desanuviem e que os terceirenses consigam ultrapassar este golpe, aprendendo a viver de outra forma. Se calhar, como muitos aqui no Continente, a solução será emigrar??

    Um beijinho e tudo de bom
    Ruthia d'O Berço do Mundo

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  4. Pois, espero que o impacto, no final, seja bem menor do que se espera, e que haja muito menos despedimentos ou, então, apenas reformas antecipadas, I hope...
    Beijinhos, boa semana!
    Madalena

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  5. Ilídia,

    Será certamente difícil. Antever o futuro sem o que conhecemos e de certa forma tomamos como certo é sempre assustador. Fico a torcer para que os efeitos sejam minimizados e a mudança possa ser um novo começo. :)

    Um beijo e um abraço apertado*

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  6. Quando ouvi a notícia num qualquer telejornal, os meus pensamentos foram semelhantes aos teu post de hoje. Não sendo eu açoriana, tenho perfeita noção do impacto que isso tem na economia e na cultura da Terceira. Mas uma coisa é certa, muitos americanos estão a voltar para os US ou a sair para outras partes de do globo. Ontem estive no Thanksgiving dinner (ao almoço) organizado pelo cuble americano aqui no Porto e a verdade é que muitas das pessoas que estavam nos jantares anteriores já não se encontravam neste... Algumas caras novas, com muita vontade de cá ficar, mas todos dizem que não está fácil... para ninguém!

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  7. Espero,sinceramente, que esse dia nunca chegue, porque seria mais um "desastre" que não merecemos. Bjs

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  8. Ilídia,
    não ter a certeza do futuro é sempre assustador e ficamos apreensivos.
    O impacto que esses despedimentos terão serão enormes na economia da vossa ilha. Espero sinceramente que não vão para a frente com essa notícia.
    E que tudo corra pelo melhor. Dias difíceis.
    Um beijinho.

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  9. Bom dia Ilidia,

    Espero que não se importe que a trate pelo nome próprio mas, entre muitas outras coisas de que gosto no blogue, a coragem de o usar é uma das coisas que admiro!

    Como vê, gosto de vir aqui espreitar.

    Hoje comento porque me tocou o último parágrafo do post.

    Espero sinceramente que, como muitas vezes acontece, a realidade venha a ser bem melhor do que as noticias.

    Mas, não sou adivinha como me dizia o meu marido no outro dia.

    O que quero dizer é já tive o privilégio de visitar os Açores, sendo que uma das ilhas visitadas foi a Terceira.

    E a maneira como termina o seu post retrata a opinião que tenho dos açorianos e dos terceirenses em particular.

    Vão descobrir uma forma de "dar a volta" e sobreviver de certeza!

    Como já fizeram outras vezes.

    Cumprimentos e votos de uma boa semana,

    Sandra Martins

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